Articulação da AMAERJ com deputada estadual transforma campanha de combate a agressões em norma para o Estado
Por Evelyn Soares
O Estado do Rio de Janeiro pode contar com mais um instrumento legal no combate à violência contra mulher. Sancionada pelo governador em exercício do Estado do Rio, Cláudio Castro, em 10 de março, o projeto da Lei 9.201/21 foi concebido pela AMAERJ em dezembro passado. As diretoras Juliana Cardoso e Flávia Melo Balieiro lideraram as tratativas com a deputada estadual Mônica Francisco (PSOL).
A inspiração primordial foi a campanha Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica, parceria entre a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A baixa no número de denúncias de violência doméstica nos primeiros meses do isolamento social acendeu o alerta e motivou a criação de um novo local de denúncia – as farmácias. A ação se popularizou pelo país, e o X vermelho na palma da mão ainda é o sinal silencioso das vítimas que pedem socorro.
“A campanha foi abraçada pela sociedade civil, mas entendemos que, em momento posterior, seria necessária a entrada dos Poderes. O atendimento a estas mulheres precisaria seguir protocolos básicos, o que exigiria um embasamento legal”, analisa Flávia Balieiro, diretora adjunta e de Assuntos Legislativos da AMAERJ.
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O Museu tá on
O Distrito Federal foi pioneiro na normatização da campanha. Publicado em novembro de 2020, o texto ampliou para repartições públicas, condomínios, hotéis e supermercados os locais em que as vítimas podem pedir ajuda. O projeto estava de acordo com a realidade da violência doméstica nacional. Após adaptações, serviu como base à proposição apresentada pela AMAERJ à deputada Mônica Francisco, em novembro.
O Projeto de Lei 3.457/2020 foi protocolado em dezembro de 2020. O texto que institui o Programa de Cooperação e o Código Sinal Vermelho no Estado recebeu apoio de cinco comissões da Alerj, passou por oito emendas e recebeu substitutivo da Comissão de Constituição e Justiça antes de ser aprovado pelo plenário, em 17 de fevereiro.
A medida estabelece que a mulher vítima de violência diga “sinal vermelho” ou sinalize o pedido de ajuda expondo um X na mão. Ao identificar o pedido de socorro, o atendente do estabelecimento deverá anotar o nome da vítima, endereço e telefone e ligar imediatamente para o número 190, da Polícia Militar. Sempre que possível, a vítima será conduzida, de forma sigilosa e com discrição, a um local reservado para aguardar a chegada da autoridade de segurança pública.
O Poder Executivo poderá promover ações a fim de viabilizar a construção de protocolos de assistência e segurança às mulheres, devendo integrar medidas a serem aplicadas no momento em que a vítima efetuar o pedido, mesmo que impossibilitada de informar dados pessoais. Além disso, deverá organizar campanhas para garantir o acesso das vítimas e da sociedade civil às medidas de proteção.
A articulação com as magistradas representa, para Mônica Francisco, a relevância do diálogo entre os Poderes. “É fundamental unir esforços do Legislativo e do Judiciário, adicionando o Executivo, para atingirmos os objetivos. Os Poderes constituídos precisam responder para a sociedade, em construção coletiva, até como forma de consolidar o Estado Democrático de Direito”, afirmou a deputada.
Mônica explicou que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro já estava atenta à mitigação dos casos de violência doméstica. A Lei 8.967/20, assinada pelo governador em agosto passado e de autoria da deputada, determina que condomínios, conjuntos habitacionais, associações de moradores e organizações variadas afixem cartazes sobre os serviços ativos de atendimento às mulheres durante a pandemia.
Sancionada no mês seguinte, a Lei 9.014/20 dispõe sobre a comunicação de ocorrência ou indícios de violência doméstica em condomínios durante a quarentena ou isolamento social.
Violências e esperança
Diretora de Acompanhamento das Políticas de Atendimento à Mulher e das Varas de Violência Doméstica da AMAERJ, a juíza Juliana Cardoso recebeu em sua jurisdição, em Itaboraí (cidade na Região Metropolitana), a primeira denúncia da campanha Sinal Vermelho no Estado do Rio. A mulher publicou foto com o X vermelho no Stories do WhatsApp e uma prima, que compreendeu o pedido de socorro, fez a denúncia. O agressor foi detido; a vítima, resgatada.
Esta primeira experiência evidenciou a dimensão da campanha à magistrada, além do entendimento de que transformá-la em norma “dá mais consistência à iniciativa. Quando foi desenhada pela AMB e pelo CNJ, ela tinha uma estrutura mínima junto às farmácias, que foi ampliada pela lei.” Juliana defende o diálogo com as empresas a fim de elucidar dúvidas e capacitá-las para que os funcionários compreendam a relevância do seu papel nesta luta.
O movimento iniciado pela AMAERJ para mudar a realidade da violência endêmica contra a mulher no Estado coincidiu com o assassinato da juíza Viviane Vieira do Amaral, na véspera de Natal de 2020. A resposta das magistradas fluminenses foi imediata. Em janeiro, o TJ-RJ criou o Cogen (Comitê de Promoção da Igualdade de Gênero e de Apoio às Magistradas e Servidoras no âmbito do TJ-RJ), composto por 12 magistradas. De forma independente, foi criado o Coletiva de Magistradas pela Igualdade, liderado pela também juíza Adriana Ramos de Mello. O grupo se reuniu com o governador, quando foi elaborado um pacto estadual de enfrentamento à violência contra a mulher.
“[O feminicídio da juíza] Foi uma brutalidade que chocou a todos na Magistratura do Rio e que trouxe à baila a evidente realidade do machismo estrutural. O processo de conscientização e mudança, de estruturar políticas de proteção das mulheres e de igualdade entre os gêneros, leva tempo”, disse a juíza Flávia.
Juliana Cardoso, que integra o Cogen, refletiu sobre a mudança de paradigmas a ser enfrentada. “A igualdade de gênero é importante porque a forma como a mulher é tratada e vista hoje reflete diretamente na violência contra ela. Uma sociedade verdadeiramente plural precisa de representatividade em todas as esferas.”
A deputada Mônica Francisco destacou que a natureza fria dos números “ajuda a entender um comportamento naturalizado na sociedade brasileira, de violação dos corpos das mulheres. Por isso é fundamental existir projetos e leis como esta.”
Para Adriana Mello, a formulação da lei é um mecanismo valioso no enfrentamento à violência de gênero. “É um grande avanço, com a aprovação dessa importante lei, haver mais um canal de denúncia para as mulheres. Muitas mulheres sentem medo e vergonha em procurar os canais oficiais. Quanto mais ajuda, melhor para auxiliar neste momento de pandemia”, declarou.
Com o sancionamento da Lei do Código Sinal Vermelho, a expectativa da autora do texto é que as redes institucionais sejam reforçadas e que, além de orçamento para a efetivar a defesa das mulheres, haja facilidade para a denúncia e uma conscientização coletiva. “Que elas se mantenham vivas, sãs e a salvo. Que possam ter autonomia para trabalhar, viver, cuidar da sua própria vida sem serem violadas por isso ou mortas somente por serem mulheres.”