As sete músicas foram submetidas à Censura nos anos 70 e esquecidas pelo artista
Por Sergio Torres
Talvez inexista na história recente da música popular brasileira algo tão estranho e complicado quanto o desaparecimento, anos atrás, do compositor e cantor cearense Belchior. Por mais reportagens e livros que tenham sido escritos sobre o destino do artista, mais dúvidas surgem em torno do tema. Agora, passados quase 50 anos, sete canções inéditas de Belchior foram localizadas pelo pesquisador Renato Vieira no Arquivo Nacional.
As letras dessas músicas adormeceram nos registros da Censura Federal recolhidos no Arquivo Nacional. Não fosse o trabalho de Vieira – jornalista especializado em música – é possível que as canções permanecessem ignoradas para todo o sempre. Seis delas datam de Para agravar o mistério, Belchior nunca as gravou, assim como seus parceiros. É como se, mesmo com a aprovação dos censores, as músicas tivessem sido abandonadas.
Das sete canções localizadas por Vieira, ao menos uma já havia sido apresentada em público: “Bip Bip”, parceria de Belchior e Ednardo, colegas de Estado natal e geração. A música concorreu no último Festival Internacional da Canção (FIC) da TV Globo, em 1972. Não passou da fase eliminatória e foi deixada de lado pelos autores. Embora ambos tivessem gravados muitos discos, em nenhum “Bip Bip” entrou.
Em suas redes sociais, Ednardo conta que “Bip Bip” estará em seu próximo álbum, em gravação desde antes da pandemia e da descoberta no Arquivo Nacional. “Esta música jamais esteve oculta ou esquecida”, escreveu o artista.
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Uma das canções localizadas pelo pesquisador chama-se “Fim do Mundo”, parceria de Belchior com o letrista Augusto Pontes. Ela é homônima da música lançada naquele 1972 pelo estreante compositor e cantor Fagner, no formato, então comum, de compacto duplo, disquinho com até quatro músicas.
O parceiro de Fagner em “Fim do Mundo” é o letrista Fausto Nilo, mais um expoente do grupo de músicos cearenses que veio a, muito à revelia deles, ser chamado de Pessoal do Ceará. Logo, são duas canções “Fim do Mundo” compostas por artistas novatos contemporâneos e parceiros.
Fausto Nilo não está fora do balaio de novidades descobertas por Renato Vieira. É dele, com Fagner e Belchior, a canção “Alazão”. E, só com Belchior, “Baião de Dois Vinte e Dois”.
Com Fagner, Belchior escreveu ainda “Posto em Sossego”, outra inédita localizada no Arquivo Nacional. O artista pensa agora em gravá-las, conforme disse ao jornal “O Globo”.
“Eu sabia que tinha algumas músicas mais com Belchior, e identifiquei na hora. ‘Rezo e você não me ouve / falo e você não entende…’”, canta Fagner os versos de “Posto em sossego”, escritos pelo parceiro e por ele musicados. “Isso deve fazer o que? Uns cem anos!”, exclamou Fagner.
As gravações de “Alazão” e “Posto em Sossego” podem constar de um próximo disco de Fagner, conforme ele revelou em entrevistas. Seria um álbum com suas parcerias com Belchior.
Quem é Belchior?
Nascido em 1946 na cidade de Sobral (a 230 km da capital Fortaleza), Antônio Carlos Belchior consagrou-se como uma das principais vozes da canção brasileira ao longo da década de 70 do século passado.
Clássicos como “Na Hora do Almoço”, “Mucuripe”, “Como Nossos Pais”, “Velha Roupa Colorida”, “Paralelas”,
“A Palo Seco” e tantas outras ganharam interpretações de artistas consagrados, como Elis Regina, Roberto Carlos, Leny Andrade, Erasmo Carlos e Wilson Simonal, sem falar nos colegas de geração Fagner, Ednardo, Amelinha e Elba Ramalho.
Para espanto do país, Belchior simplesmente desapareceu por volta de 2007. Largou família, amigos, bens e canções. Seu reaparecimento aconteceu de forma trágica. O artista morreu no interior do Rio Grande do Sul, aos 70 anos, vitimado pelo rompimento da aorta na madrugada de 29 de abril de 2017.
Canções localizadas
Adivinha (Belchior)
Alazão (Fagner- Belchior-Fausto Nilo)
Baião de Dois Vinte e Dois (Belchior-Fausto Nilo)
Bip Bip (Ednardo-Belchior)
Fim do Mundo (Belchior-Augusto Pontes)
Outras Constelações (Belchior)
Posto em Sossego (Fagner-Belchior)
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