*ConJur
Depois de 31 anos de serviços prestados ao país e à Constituição Federal, o ministro Celso de Mello se aposentou nesta terça-feira (13). Ao longo de sua trajetória, se notabilizou por sua atuação marcante na defesa da democracia e da Constituição da República, que, segundo ele, representou o “anseio de liberdade manifestado pelo povo brasileiro”, após mais de duas décadas de regime militar.
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Desde 1989, quando passou a integrar o Supremo Tribunal Federal, em diversos julgamentos, Celso de Mello salientou continuamente o papel de destaque da Constituição de 1988 para a consolidação e a estabilidade da democracia brasileira. Na sua avaliação, a Carta permitiu “situar o Brasil entre o seu passado e o seu futuro”, por meio de um instrumento jurídico moderno, “essencial para a defesa das liberdades fundamentais do cidadão em face do Estado”.
A Constituição, segundo ele, é um corpo vivo e, portanto, está em constante processo de mutação. Além das modificações trazidas pelo Congresso Nacional, ele lembra que o texto tem sido objeto de reiteradas atualizações pelos tribunais e, em última análise, pelo Supremo, a quem cabe interpretá-lo e resguardar sua supremacia e sua integridade.
Artífice do Direito
A partir da nova Constituição, Celso de Mello ajudou a reconstruir o Direito Constitucional brasileiro, que passou a se voltar mais para a concretização dos direitos fundamentais. Com seus votos e decisões, tornou-se um dos artífices da construção da democracia brasileira pós-1988. “Suas decisões verdadeiramente revolucionaram a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, atualizando-a aos novos ares democráticos do país”, destacou o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, na sessão de homenagem do Plenário ao decano, na última quarta-feira (7).
A atuação de Celso foi importante para que o respeito às garantias constitucionais passasse a ser prioridade na aplicação da Justiça. “O decano sempre se mostrou um juiz desassombrado e intransigente na defesa da dignidade da pessoa humana, dos direitos e das liberdades fundamentais”, afirma o ministro Dias Toffoli.
Esse desassombro e essa intransigência marcaram a trajetória de Celso de Mello, com especial olhar sobre as garantias individuais do cidadão e os direitos das minorias, inclusive diante de atos de omissão do poder público. “Ele representa um paradigma no exercício da jurisdição constitucional e na afirmação das liberdades dos direitos fundamentais e dos grupos minoritários”, lembrou a ministra Rosa Weber.
Defesa veemente
Durante mais de três décadas no Supremo, o ministro Celso de Mello, com base nos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, defendeu com veemência princípios constitucionais. Sustentou posições à frente de seu tempo.
Diferencia, há bastante tempo, o usuário de drogas do traficante; também reconheceu a união homoafetiva; e garantiu à gestante o direito de optar pela antecipação terapêutica do parto nos casos de feto anencefálico. Garantiu o resguardo ao sigilo bancário, defendendo que o compartilhamento de dados obtidos pela Administração Tributária com o sistema financeiro não poderia acontecer fora da “arbitragem” da reserva de jurisdição.
No julgamento sobre compartilhamento de dados para fins penais entre órgãos de inteligência e fiscalização e o Ministério Público, ficou vencido ao seguir a divergência segundo a qual é necessário aval da Justiça para a troca de informações. “A Constituição determina que a administração tributária deve respeitar os direitos dos contribuintes e acrescenta que não são absolutos os poderes dos agentes estatais”, disse.
Outro tema que sempre mereceu manifestações intensas do decano foi a defesa do direito de reunião e da liberdade de manifestação do pensamento. Na mesma linha, sempre foi defensor intransigente das garantias constitucionais na seara penal, como o princípio da presunção de inocência.
Discrição e erudição
Apesar do perfil extremamente discreto, Celso de Mello é amplamente respeitado nos meios jurídicos, e por diversos motivos. Um deles é justamente sua obstinação pela vida reservada de tapetes vermelhos e pompas. Não tem hábito de frequentar eventos sociais e não aceita convites para dar aulas em universidades privadas ou palestras. O que tem a dizer está nos autos.
Sua aversão a congratulações não impede que receba elogios de antigos ministros da corte, como Francisco Rezek, Sydney Sanches, Eros Grau, Carlos Velloso, Ayres Britto e Sepúlveda Pertence.
É unanimidade na comunidade jurídica sua erudição e sua sólida formação jurídica e ética. É igualmente admirado e respeitado pela “nova leva” de ministros do Supremo. Ao citar o “primor ético” do decano, o ministro Gilmar Mendes relembrou que sua indicação ao cargo aconteceu menos de um ano após a promulgação da Constituição. Celso de Mello, diz Gilmar Mendes em artigo, “exerceu papel-chave em nossa recém-instalada Democracia”.
Inspiração
Os votos do ministro Celso de Mello são os mais extensos e os mais substanciosos que o Plenário já se acostumou a ouvir. Por trás da suposta prolixidade escondem-se argumentos arduamente fundamentados. O ministro busca referências históricas e doutrinárias para expor suas ideias, cita a jurisprudência do mundo todo, os mais diversos pensadores e estudiosos além de tratados e convenções internacionais. Cada voto é uma aula, que costuma esgotar os assuntos sobre os quais se debruça.
Com seus votos e decisões, o ministro Celso de Mello serve também de inspiração aos demais integrantes do STF e de exemplo aos recém-chegados ao Tribunal. “Seus votos são fontes permanentes de pesquisa, de orientação e, principalmente, de chamamento à responsabilidade de todos com o regime democrático, com as liberdades públicas e com os direitos fundamentais das pessoas”, afirmou a ministra Cármen Lúcia.
Para o ministro Alexandre de Moraes, sua obra é imprescindível para os intérpretes do texto constitucional e obrigatória para os agentes públicos que pretendem o fortalecimento da democracia, do estado democrático de direito, dos mecanismos de controles institucionais e do combate à corrupção e a defesa da honestidade, da moralidade e da probidade administrativa.