Judiciário na Mídia Hoje | 09 de dezembro de 2021 17:39

Desinformação, ódio e novas tecnologias desafiaram o TRE-RJ no último ano

*ConJur

Desembargador Cláudio Dell’Orto

A epidemia do coronavírus estimulou o uso mais assertivo da tecnologia, o que impactou fortemente o trabalho da Justiça Eleitoral no Rio de Janeiro. A transmissão das sessões pelo YouTube, adotada durante a crise sanitária, virou rotina no tribunal, mesmo após o retorno das sessões presenciais em agosto de 2021, evoluindo para um formato híbrido com sessões por videoconferência, virtuais e presenciais.

“A publicidade dos julgamentos pelos órgãos do Poder Judiciário, que é princípio constitucional, adquiriu concretude ainda maior, restando, ainda, preservada a celeridade dos julgamentos e privilegiados os debates que são inerentes aos julgamentos colegiados”, afirma Cláudio Dell’Orto, presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro desde março de 2021.

A internet facilita por um lado, mas desafia de outro. As redes intensificaram a difusão de notícias falsas durante o período eleitoral e provocaram dúvidas sobre os limites das campanhas virtuais. Não à toa, a maioria das demandas do TRE-RJ está relacionada à avaliação de propaganda antecipada e ao impulsionamento de conteúdo. Dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que em 2020, nas eleições municipais, a demanda da Justiça Eleitoral fluminense foi alta. Somadas primeira e segunda instâncias, foram 70 mil novas ações ante menos de três mil casos protocolados em 2019. O número de decisões saltou de 7.500 para mais de 60 mil de um ano para o outro.

Nas eleições municipais no estado foram escolhidos 92 prefeitos e vice-prefeitos, além de 1.184 vereadores. Os partidos que mais inscreveram candidatos foram PSC, PL, DEM, PP e Solidariedade. O perfil do candidato no Rio de Janeiro foi de homens (90% dos concorrentes), casados (62%), a maior parte entre 40 e 44 anos, brancos (68%), com ensino médio completo (40%); 25% deles já ocupavam o cargo de vereador.

O TRE-RJ promoveu campanhas para combater a desinformação na campanha. Além do Programa de Enfrentamento à Desinformação, de 2019, foi criado o Coalizão para Checagem – Eleições 2020, em parceria com agências de notícia e de checagem. A Comissão de Transparência das Eleições e o Observatório da Transparência das Eleições uniram entidades e especialistas para combater a desinformação.

As fake news chegaram às regras da propaganda eleitoral e do direito de resposta, concretizados pela Resolução 23.610/2019, do Tribunal Superior Eleitoral. Entre as medidas adotadas está a proibição do disparo em massa de propaganda eleitoral na internet.

O TRE-RJ decidiu que é proibido o impulsionamento pago de conteúdo eleitoral desde a pré-campanha. De acordo com o entendimento da corte, a Lei 9.504/1997 impede o impulsionamento pago ainda que não haja pedido explícito de votos.

O eleitor que não conseguiu votar nem justificar pode ficar em dia com a Justiça Eleitoral fazendo o pagamento da multa por ausência nas urnas por Pix ou cartão de crédito. Essa facilidade se uniu a outros serviços como o TítuloNet, que dá acesso rápido aos dados do título ao eleitor.

Outro desafio é acelerar a atualização do nome de pessoas transexuais no registro eleitoral. Existe uma lei que garante a gratuidade do serviço, mas por desconhecimento poucas pessoas já tinham feito isso. Até junho de 2021, no entanto, mais de mil pessoas já haviam procurado o serviço.

Outro tema que preocupa dell’Orto é o Projeto de Lei 3.227/2021, que substituiu a Medida Provisória 1.062/2021, editada pelo presidente Jair Bolsonaro e bloqueada pelo Senado, pela Procuradoria-Geral da República e pelo Supremo Tribunal Federal, por ser considerada inconstitucional. Para o presidente do TRE, a norma, que dispõe sobre a criação de regras para dificultar a remoção de conteúdo da internet, é sensível e merece maior debate.

“A disseminação da desinformação e a incitação ao discurso de ódio, as investidas contra as instituições e a democracia efetuados com espeque nas novas tecnologias constituem o grande desafio social deste século”, disse o presidente da corte.

Sobre as tentativas de regredir ao voto impresso, o presidente do TRE-RJ defende que a urna eletrônica, em vigor há 25 anos, combateu fraudes do passado e se mostrou “absolutamente segura, transparente, auditável e auditada” e que todos os dados estão disponíveis nos cartórios eleitorais. “É preciso esvaecer a falácia de que a impressão do voto é auditoria de urna”, reitera o magistrado.

Sobre a quarentena de quatro anos para que juízes, policiais e membros do MP concorram em eleições, o presidente avalia que ainda há pontos a esclarecer. “De um lado, a quarentena é acusada de inviabilizar a candidatura de certas classes de servidores públicos, conferindo-lhes, pois, um tratamento anti-isonômico. De outra banda, há uma preocupação de impedir que carreiras de Estado sejam utilizadas de forma política.”

A má divisão de cotas é reflexo também do número exagerado de partidos políticos, 33 – cultura que também impede uma discussão mais profunda de ideologias. “Não há, por grande parte dos próprios parlamentares, aderência a uma ideologia partidária, ou mesmo conhecimento sobre o estatuto da agremiação. Ao revés, sobrelevam estratégias políticas, o interesse na distribuição dos fundos de financiamento partidário e eleitoral e no direito a tempo de propaganda na TV”, avalia dell’Orto.

As constantes mudanças nas regras eleitorais – desde 2010 foram sete, segundo pesquisa publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo – tiveram aspectos positivos e negativos, segundo dell’Orto, mas esse movimento é parte de uma democracia em construção. Mais transformações podem ocorrer com a discussão da nova reforma eleitoral, em andamento no Congresso. Para o presidente do TRE-RJ, ela é uma oportunidade para aprimorar a distribuição mais justa do financiamento de campanhas, principalmente entre negros e mulheres.

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