“Onde há uma identidade forte no grupo de uma associação, a prática profissional se torna mais legítima socialmente.”
Artigo por Maria Alice Rezende de Carvalho
“Quem somos. A magistratura que queremos” não é uma pesquisa conclusiva. Ela é indicativa. Contém aspectos que deverão ser trabalhados ao longo de algum tempo, com questões a ser cotejadas entre si, para que cheguemos perto de uma hipótese mais consistente acerca da identidade da magistratura.
Lembro que há cerca de 20 anos, entre a entrega do catálogo e a formulação do livro “Corpo e Alma da Magistratura Brasileira”, se passou um ano de intenso trabalho, para que tivéssemos a sugestão de um perfil da magistratura.
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Considero haver três aspectos de interesse para essa discussão. O primeiro é que a magistratura está envelhecendo, tomando-se o ano de ingresso na profissão. Há 20 anos, 13% da magistratura entrava com até 30 anos de idade. Era uma magistratura muito jovem. Agora, apenas 2% possuem 30 anos. É uma magistratura que, levando-se em conta o ano de ingresso, está mais velha. Sociologicamente é um aspecto muito relevante, por afetar a composição da categoria profissional, o que significa que afeta o comportamento dela.
Outro aspecto interessante diz respeito ao excesso de trabalho mencionado pelos juízes de primeiro grau, sobretudo na Justiça Estadual. Em alguns momentos, referem-se à dificuldade de proceder algumas atividades que são da profissão. A leitura de textos técnicos e a pesquisa de jurisprudência foram os itens menos apontados na rotina dos juízes de primeiro grau, o que significa que não a estão consultando. Isso é um pouco diferente na Justiça Federal. Os juízes afirmam ter mais tempo de leitura, de preparação com livros técnicos e de pesquisa de jurisprudência.
O último item que chamo a atenção é o associativismo. Em relação há 20 anos, o padrão de associativismo continua intenso: 90% dos magistrados pertencem a uma unidade de representação. Nestes 20 anos, houve uma segmentação muito intensa em relação ao associativismo. Antes, havia o predomínio indiscutível da AMB. Hoje não é bem assim. Ela divide com outras entidades a representação da magistratura. Isso deve ser levado em conta, pois sabemos que o associativismo em todas as categorias profissionais é, sobretudo, o órgão reflexivo da profissão. Aí a profissão se pensa, ou deveria se pensar, estabelece parâmetros. Todo associativismo é, ao mesmo tempo, lugar de demandas e de produção de identidade.
Estes três aspectos mereceriam atenção para uma política de construção da identidade da magistratura, que pense no recrutamento dos projetos de socialização dos ingressantes e que reveja a forma como a magistratura entra em contato com a pesquisa jurídica. Onde há uma identidade forte no grupo de uma associação, a prática profissional se torna mais legítima socialmente.