Carlos Ferrari, diretor do Departamento de Perícias e do setor de Saúde Ocupacional do Departamento de Saúde do TJ-RJ, fala das medidas adotadas pelo Judiciário fluminense e conta o que vê no front do enfrentamento ao coronavírus
Por Evelyn Soares
O início do surto do SARS-CoV-2, nome oficial do coronavírus, foi alvo de atenção da ciência e da mídia desde seu anúncio, na China, em 31 de dezembro de 2019. Para os telespectadores do outro lado do globo, o que se passava no país asiático parecia um infortúnio sanitário. O galopante alastramento da doença pelo mundo foi acompanhado com atenção até que os brasileiros a viram chegar oficialmente em 26 de fevereiro, quando o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso.
Em 11 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou, para assombro mundial, que vivíamos uma pandemia. A última doença mortífera em escala global havia sido a gripe espanhola, em 1918, a maior pandemia do século 20.
O Judiciário brasileiro logo reagiu. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) adotou as primeiras providências para evitar o contágio já em 12 de março. Quatro dias depois, implantou o Plantão Extraordinário. O apoio a cada decisão a respeito da saúde de magistrados, servidores, terceirizados e cidadãos que frequentam as unidades judiciais partiram da Diretoria Geral de Pessoas, à qual é subordinado o Departamento de Saúde.
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Servidor há 28 anos, Ferrari se formou em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É mestre em Clínica Médica e especialista em Terapia Intensiva. Trabalha no Serviço de Terapia Intensiva do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ.
Leia o que disse o especialista à FÓRUM.
FÓRUM: A China emitiu o primeiro alerta à OMS sobre casos de pneumonia em Wuhan em 31 de dezembro. Quando o coronavírus se tornou uma preocupação para o TJ-RJ?
Carlos Ferrari: A partir do primeiro caso identificado no Brasil, em fevereiro. Desde então, passamos a tomar medidas de precaução respiratória no atendimento médico de todo paciente pelo Departamento de Saúde e adotamos imediatamente todos os protocolos da OMS e do Ministério da Saúde para orientação dos pacientes com coronavírus e proteção dos eventuais contactantes.
FÓRUM: É possível afirmar quantas pessoas tiveram coronavírus no TJ-RJ?
Ferrari: Não, pois são muitos casos. Não atendemos somente servidores, mas qualquer cidadão. Pela baixa disponibilidade de testes, que havia na ocasião e continua acontecendo, em muitos casos não tínhamos confirmação laboratorial. Apenas em alguns conseguimos confirmação.
FÓRUM: Quais as primeiras providências adotadas?
Ferrari: Desde que o presidente [do TJ, Claudio Mello] determinou que as atividades presenciais fossem parcialmente suspensas, o Departamento manteve a equipe de ambulância de Unidade de Terapia Intensiva de plantão para atendimento de situações graves e em caso de eventuais necessidades de remoção hospitalar. Também instituiu uma equipe com rodízio presencial e atendimento online para orientação dos servidores. O presidente e o corregedor [geral da Justiça, Bernardo Garcez] publicaram ato orientando o afastamento presencial de pacientes de risco e de pacientes acometidos com seus contactantes.
FÓRUM: A grande maioria dos funcionários do tribunal atua em Regime de Teletrabalho, mas uma parcela reduzida está no Plantão Extraordinário. Há atendimento ao público, em situações emergenciais. Quais medidas têm sido tomadas para proteger tanto o público quanto magistrados e servidores?
Ferrari: O presidente solicitou e o Departamento de Saúde fez várias considerações a respeito das possibilidades de medidas de proteção ao trabalho do servidor, como a adoção de EPIs [Equipamentos de Proteção Individual]. Considerando a enorme dimensão do Poder Judiciário no Estado do Rio, tem sido objeto de estudo para implantação e programação do retorno, quando for indicado. Estamos preparando material a ser divulgado por e-mail e pela intranet sobre formas de prevenção. São orientações voltadas ao servidor: como usar máscara, que tipo de máscara, como lavar as mãos, trocar a roupa do trabalho. Estamos orientando o servidor, terceirizados e toda a população laboral do tribunal. Vale destacar que estamos em contato direto com a operadora de saúde dos servidores do tribunal, a Amil, e supervisionando, ainda que indiretamente, o acompanhamento destes pacientes.
FÓRUM: Que cenário é previsto para o Poder Judiciário fluminense na área de saúde após a pandemia?
Ferrari: O mundo inteiro vai mudar. A doença vai se manter viva por algum tempo, mesmo sem o comportamento de pandemia e ainda que em intensidade menor. Acho que as relações laborais e pessoais, pelo menos em um futuro próximo, vão se transformar. Não só no tribunal, no mundo todo. Tudo será revisto: o trânsito de pessoas, o distanciamento no ambiente de trabalho, as reuniões presenciais, as aglomerações.
FÓRUM: O sr. é médico na UTI de um hospital público no Rio. Como tem sido o trabalho no front de combate ao coronavírus?
Ferrari: Como médico intensivista, trabalho no serviço de terapia intensiva do hospital universitário da UFRJ, que recebeu doações de várias fontes. Conseguiu fazer obras para expandir os leitos de terapia intensiva exclusivamente para Covid-19, adquiriu equipamentos e materiais e captou médicos contratados pela prefeitura. É um enfrentamento muito duro de toda a equipe, não só médica, mas de saúde do CTI e da direção geral do hospital. É um trabalho incessante, com pacientes gravíssimos, em ambiente de alto risco e trabalhando com EPIs que causam incômodo ao profissional. Ficamos várias horas com avental, máscara, gorro, luva, cuidando incessantemente de pacientes muito graves, e com a taxa de ocupação dos leitos próxima de 100%. É essencial a população entender que deve continuar segundo os protocolos da OMS. O afastamento social é fundamental. O maior risco de contaminação acontece para quem não cumpre o isolamento social. Não podemos relaxar o isolamento social sob risco de aumentar significativamente a incidência de novos casos e o colapso da rede de assistência hospitalar, como aconteceu em outros países.