Judiciário ampara vítimas de violência no lar
por Evelyn Soares
A instalação de uma nova realidade pela expansão do coronavírus aumentou os conflitos nos lares em todo o mundo. A “pandemia das sombras”, como rotula a ONU Mulheres, é cada vez mais revelada em pesquisas. A casa, que deveria ser refúgio e porto seguro, virou local de agressões e feminicídios. Como única forma de prevenção comprovada ao coronavírus, o isolamento social criou as condições perfeitas para que a vítima esteja em contato constante com o agressor. A 8ª Pesquisa Nacional sobre Violência Doméstica e Familiar, feita pelo Senado em 2019, atesta esta proximidade. Em 41% dos casos de violência, o marido, namorado ou companheiro da mulher é o autor.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicou o aumento de 22,2% nos casos de feminicídio em março e abril deste ano. Para piorar, há interferência criminosa em um dos poucos meios de comunicação. O Projeto Justiceiras apontou que 23% dos homens violentos têm acesso ao celular da vítima, o que dificulta o contato com amigos e parentes, além do acesso a meios de denúncia.
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Onde está a Justiça? Cada vez mais próxima da vítima, criando caminhos para que ela denuncie os padecimentos sem colocar a vida em risco. No Estado do Rio, medidas foram adotadas desde 17 de março, início do trabalho remoto. A estrutura do Tribunal de Justiça continuou atuante e ainda mais produtiva. Dados da Diretoria-Geral de Apoio aos Órgãos Jurisdicionais apontam que a média de decisões protetivas deferidas e distribuídas entre janeiro e maio de 2020 foi de 75,71%, contra 68,33% em igual período do ano passado.
“O isolamento trouxe um impedimento de locomoção. O tribunal promoveu ações para proteger a mulher vítima de violência e adaptar os trabalhos dos juízes desta competência.
Um exemplo é a inauguração da Sala Lilás em Petrópolis, em plena pandemia”, disse a desembargadora Suely Lopes Magalhães.Presidente da Coem (Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, do TJ), ela se refere à terceira Sala Lilás do Estado. A cerimônia de inauguração aconteceu em 17 de junho.
A Coem e a Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ) promoveram a campanha “Covid-19 – Confinamento sem Violência”, para informar os tipos de violência doméstica e os canais de denúncia. Foram fixados 2.500 cartazes em estabelecimentos comerciais e religiosos do Estado e distribuídas cartilhas preparadas em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia, da EMERJ.
O TJ-RJ criou o plantão extraordinário especializado para apreciar medidas de caráter urgente. Houve, ainda, a implantação do processo eletrônico nas serventias com competência sobre violência doméstica. Na Corregedoria, servidores da Cejuvida (Central Judiciária de Abrigamento Provisório da Mulher Vítima de Violência Doméstica) atuaram, na quarentena, de forma remota e permaneceram de sobreaviso para o comparecimento presencial. Os mandados de intimação podem ser cumpridos por e-mail, telefone ou WhatsApp.
Esse trabalho se refletiu nos resultados. O Observatório Judicial da Violência Doméstica mostra que, de 17 de março a 13 de julho, foram deferidas 6.917 medidas protetivas. No período, houve a distribuição de 13.071 processos de violência doméstica e 24 processos de feminicídio.
Para especialista, violência contra a mulher marca a história brasileira
Diretora da organização Cepia (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação), Leila Linhares Barsted fala do impacto da pandemia na violência doméstica.
fórum: Somos o quinto país com mais feminicídios no mundo. Agora há o aumento de agressões na pandemia. O que o dado revela?
Leila Linhares Barsted: A manutenção das pessoas em casa e a violência reforçam o que é falado há anos: a casa não é o lugar mais seguro para mulheres e meninas. O abuso e a violência sexual ocorrem majoritariamente dentro de casa, por pessoas próximas. Este é um elemento da sociedade brasileira e, ao longo dos séculos, o Estado não a previne. Simplesmente responde com punição ou de forma violenta. O aumento nas agressões, violências e feminicídios não está acontecendo só aqui. Percebemos o fenômeno da dominação, das relações de poder, que historicamente se instituíram do homem para a mulher.
fórum: O que deixa as mulheres mais vulneráveis na quarentena e os homens mais violentos?
Barsted: O confinamento aumentou o sentimento de aprisionamento das mulheres. Ela está convivendo forçadamente com o homem que já a agredia. O confinamento faz com que a agressividade se amplie através da convivência forçada, faz com que eles exijam comportamentos ainda mais subservientes. Antes, um ou outro estavam fora de casa algumas horas. Agora, ele vai exigir que as tarefas domésticas sejam feitas, sexo forçado. E ela tem que fazer tudo para não irritá-lo. A pandemia potencializa o papel de dominar dos homens. E as mulheres não têm para onde fugir.
fórum: Como o Sistema de Justiça e o Poder Judiciário podem se aproximar da vítima?
Barsted: O Judiciário está colocando em prática ações previstas na Convenção de Belém do Pará, na Lei Maria da Penha, nas recomendações 33 e 35 do Comitê CEDAW da ONU. Todas tratam da prevenção à violência. Um dos caminhos é a informação. As campanhas mostram ser possível denunciar sem que se perceba, como a “Sinal Vermelho”. Os cartazes da EMERJ, as ações da Coem, o vídeo dos juízes da AMAERJ mostram a necessidade de ampliar o acesso das mulheres à Justiça.