Pandemia do coronavírus altera rotina do Judiciário, mas juízes, desembargadores e servidores do Rio garantem alta produtividade
Por Diego Carvalho
O ano de 2020 ficará marcado para sempre por causa do coronavírus. Surgida em Wuhan, na China, a Covid-19 assolou a humanidade.
De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), até 20 de junho, mais de 8 milhões de pessoas foram infectadas em todos os continentes, com 456 mil mortes confirmadas. No Brasil, segundo país mais atingido pelo vírus, 50 mil pessoas morreram pela doença até 21 de junho, segundo o Ministério da Saúde.
Medida apontada pelas autoridades de saúde para evitar a propagação da pandemia de Covid-19, o distanciamento social causou profundas mudanças no cotidiano. As relações interpessoais foram alteradas. O que era presencial teve que se adequar ao ambiente virtual.
Com o Judiciário não foi diferente. Sentidos em todo o mundo, os efeitos da pandemia mudaram a forma de trabalho do Judiciário brasileiro. Na noite de 12 de março, uma quinta-feira, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu suspender em todo o Estado os prazos processuais por 14 dias e as audiências e sessões por dois meses.
O objetivo foi restringir a circulação nos prédios do TJ-RJ. Com a súbita implantação do Plantão Extraordinário, magistrados e servidores passaram a trabalhar remotamente. Não por dois meses, como definido inicialmente. As medidas foram prorrogadas sucessivas vezes. O Tribunal começou a retomar as atividades presenciais mais de cem dias depois.
Uma semana após o ato do TJ-RJ, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) suspendeu os prazos processuais e estabeleceu o regime de plantão em todos os tribunais do país. Apesar da nova realidade provocada pela Covid-19, a Justiça não parou. Muito pelo contrário. O ritmo de trabalho foi mantido. A atuação nos gabinetes e salas de sessões deu lugar ao home office. Os magistrados passaram a realizar inéditas audiências e sessões por videoconferência.
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AMAERJ protege os funcionários contra a pandemia
Crise na saúde torna live canal para debates jurídicos
A dedicação dos juízes e desembargadores do Rio foi ressaltada em vídeo produzido pela AMAERJ. No filme, 11 magistrados explicaram que a Justiça permaneceu ativa, a serviço da população, por meio eletrônico. “Conte conosco. A Justiça não para”, destacaram os magistrados na gravação. Em vídeo gravado na frente do Plantão Judiciário do TJ, o presidente da Associação, Felipe Gonçalves, afirmou que juízes e servidores continuaram à disposição da sociedade fluminense.
Alta produtividade
Tribunal mais produtivo do país nos últimos dez anos, o do Rio de Janeiro bateu recordes de movimentações processuais durante a pandemia. Já em março, a produtividade aumentou em comparação com o mesmo período em 2019.
Na primeira instância, foram registradas 195.293 sentenças em março contra 146.247 em março do ano passado, crescimento de 33,54%. Foram proferidas 179.974 decisões, 6,46% a mais do que em março de 2019 (169.058). Os despachos cresceram 8,77% (461.237 contra 424.048). Na segunda instância, também houve avanços nos mesmos períodos comparados. Foram julgados 17.729 processos, 2,96% a mais do que em março de 2019 (17.219). Houve 28.550 despachos contra 26.615 (aumento de 7,27%).
Para Felipe Gonçalves, o momento representou a oportunidade de mostrar que os juízes também são produtivos em regime de home office. O presidente do TJ-RJ, Claudio Mello, parabenizou os magistrados e servidores pelo resultado. “A manutenção da prestação jurisdicional do Tribunal de Justiça do Estado está sendo possível graças à dedicação e ao profissionalismo de magistrados e servidores. Agradeço ao enorme empenho de todos”, disse Tavares.
Em três meses de trabalho remoto, de 16 de março a 14 de junho, os magistrados e servidores do TJ-RJ produziram 14,6 milhões de atos processuais. No período, houve 547.987 sentenças, 502.019 decisões, 1.239.341 despachos e 12.376.059 atos cumpridos por servidores.
De acordo com o CNJ, de 16 de março a 31 de maio, o Judiciário nacional produziu 4.930.897 sentenças e acórdãos. Os tribunais brasileiros contabilizaram 7,7 milhões de decisões e 12,5 milhões de despachos. No período, a Justiça destinou mais de R$ 340 milhões para o combate à pandemia.
Sessões e audiências pioneiras
Pela primeira vez na história, as sessões das turmas recursais aconteceram virtualmente. Foi assim que a 1ª Turma Recursal da Fazenda Pública do TJ-RJ se reuniu em 15 de abril: cada integrante em sua casa, por videoconferência. “Esta é mais uma demonstração de que a Justiça não para de trabalhar”, disse o juiz João Felipe Mourão, 1º tesoureiro da AMAERJ.
A videoconferência foi determinante também para garantir audiências de menores infratores. Diversas Varas da Infância e da Juventude (VIJs) realizaram audiências virtuais para que adolescentes apreendidos em flagrante pudessem ser ouvidos por um juiz dentro do prazo de 45 dias determinado por lei. “O serviço de videoconferência oferecido pelo tribunal funciona perfeitamente. A defensora pôde até conversar em separado com o menino”, contou a juíza Rhohemara Marques, da VIJ de Niterói.
A 1ª Vara Criminal de Niterói foi a primeira a realizar audiências virtuais de réu preso. Além da juíza Juliana Bessa, participaram das audiências promotores de Justiça, defensores públicos, testemunhas policiais e civis, além de réus na unidade prisional, sem que houvesse qualquer deslocamento.
“Não tenho dúvida de que as audiências virtuais são uma realidade, não só em tempos de pandemia, mas como na vida diária. Com certeza, passado o período de isolamento social, a forma de trabalho deve ser revista para que possamos nos adequar às normas sanitárias e à nova realidade”, destacou Juliana Bessa.
Em 3 de junho, o CNJ negou, por unanimidade, o pedido da Defensoria Pública do Estado para suspender as audiências virtuais e por videoconferência no TJ-RJ. A decisão atendeu à AMAERJ, que atuou como amicus curiae no Procedimento de Controle Administrativo.
Novo Judiciário
Para muitos magistrados, esta nova realidade, com um Judiciário mais virtual, veio para ficar. Presidente da 1ª Turma Recursal Criminal, o juiz Carlos Fernando Potyguara Pereira concorda. “Ainda bem que a tecnologia nos permitiu trabalhar. Os julgamentos transcorreram muito bem no ambiente virtual. Parece-me, claramente, que o meio virtual será o futuro método de trabalho para o julgamento de processos”, afirmou.
O juiz Fábio Porto, auxiliar da presidência do TJ-RJ, ressaltou que a revolução digital no Judiciário também potencializa a atuação da advocacia. “É um grande avanço e um caminho sem volta. A audiência telepresencial veio para agregar valor, não para tirar valor. Não há violações de prerrogativa. O que, no primeiro momento, parece segregar, na verdade, inclui. O advogado precisa de um smartphone para participar de uma audiência. Ele não precisa mais se deslocar.”
No artigo “Mundo Novo”, divulgado no site do jornal “O Estado de S. Paulo”, Felipe Gonçalves e a 1ª vice-presidente da AMAERJ, Teresa Castro Neves, fizeram um balanço das mudanças drásticas na forma de trabalho e projetaram o legado para a Justiça.
“Se havia alguma dúvida quanto à capacidade de produção por meio remoto, esta ficou superada. A tormenta passará. Ficarão o legado das boas práticas e as ferramentas desenvolvidas para um momento transitório. Legados e ferramentas que, decerto, se prestarão ao desenho de um mundo novo, transformado para melhor.”
Retomada das atividades presenciais
O CNJ autorizou os tribunais a retomar as atividades presenciais em 15 de junho, de forma gradual e sistematizada. Em requerimento, a AMAERJ propôs à Presidência do TJ-RJ e à Corregedoria a adoção de 28 medidas para o retorno do trabalho presencial.
Várias sugestões da AMAERJ foram incorporadas ao Ato Normativo Conjunto da Presidência e da CGJ, publicado em 12 de junho. A norma fixou o dia 29 de junho como data de reabertura dos prédios do Judiciário fluminense, com atenção às recomendações de saúde pública. Ficou preferencialmente mantido o sistema de trabalho remoto.