Em 8 e 9 de março (segunda e terças-feiras da próxima semana), quando se comemorarão o Dia Internacional da Mulher e o Dia da Promulgação da Lei do Feminicídio, a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) promoverá, às 19h, a exibição da peça teatral “Por Elas”, de autoria da Silvia Monte e do Ricardo Leite Lopes.
Sob a forma de leitura dramatizada, o espetáculo homenageará a juíza Viviane Vieira do Amaral, assassinada em 24 de dezembro de 2020, e a todas as mulheres vítimas de feminicídio.
Os ensaios foram remotos. Já as gravações aconteceram de modo presencial no estúdio da EMERJ, com respeito aos protocolos de distanciamento social em decorrência da pandemia da Covid-19. A transmissão será pelo canal oficial da Escola no YouTube.
A peça aborda a realidade de mulheres brasileiras que sofrem violência na relação com os parceiros. Trata, também, das dificuldades psíquicas, jurídicas, familiares, sociais e culturais enfrentadas por elas na tentativa dede romper o ciclo da violência. A trama tem como objetivo primordial provocar a reflexão e cooperar para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e do feminicídio na sociedade brasileira.
Participarão da leitura dramatizada um elenco formado por dez juízes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ): Paula Adorno Cossa, Raquel Gouveia, Renata Lima, Alessandra Aleixo, Rosana França, Silvana Antunes, Simone Lopes da Costa, Claudio Anuzza, Renato Charnaux Sertã e Ricardo Andrade, além do desembargador Claudio Dell’Orto.
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“Por Elas” exibe ao público um coro de mulheres formado por sete atrizes, que espelha tanto o condicionamento do sexo feminino aos estereótipos imputados pelo machismo, quanto a ambiguidade com que a sociedade trata a violência de gênero. Cada uma das sete personagens femininas carrega histórias de outras tantas mulheres brasileiras. A figura masculina – evocada pelas lembranças das mulheres – dá voz a um coro de homens que cria diversas situações de insulto, vergonha, desrespeito, humilhação, dor e agressão psíquica e física à mulher.
Um grupo de mulheres desconhecidas entre si que, em comum, têm a violência na sua vida amorosa, está reunido para falar sobre suas histórias. Conforme os relatos vão acontecendo, os conflitos, os preconceitos, a dor e a própria violência surgem no grupo.
Produzida pela primeira vez em novembro de 2016, “Por Elas” realizou 60 apresentações, entre leituras dramatizadas – em 2016 e 2017 -, temporadas regulares na Sala Multiuso do Antigo Palácio da Justiça – de dezembro de 2017 a agosto de 2018 – e no Teatro de Arena da Caixa Cultural do Estado do Rio de Janeiro (dezembro de 2018). O espetáculo já foi assistido por 4.500 pessoas.
Confira abaixo a entrevista com a diretora da peça teatral, Silvia Monte, feita pela EMERJ:
Como a realidade de mulheres brasileiras que sofrem violência na relação com seus parceiros será abordada na peça?
Silvia Monte: Infelizmente, a peça “Por Elas”, escrita em 2016, é de uma atualidade absurda e continua cada vez mais na pauta do dia. O texto aborda de forma muito realista a questão da violência de gênero nas suas diversas dimensões: psíquica, cultural, social e institucional.
Como tem sido trabalhar com juízas e juízes que não são atores/atrizes?
Silvia: Apesar desse elenco não ter formação e prática de um elenco profissional, a minha abordagem no processo sempre é extremamente profissional. Tenho consciência, é claro, de que o resultado não será similar ao resultado alcançado por atores profissionais. Nem é esse o objetivo. Mas o resultado nunca foi, é ou será amadorístico. Acho uma delícia perceber em trabalhos, desenvolvidos em torno de dez ensaios, a entrega, o crescimento e o amadurecimento do elenco diante dos desafios que a tarefa de atuar exige.
Qual é o critério de escolha do elenco?
Silvia: Quando comecei a dirigir magistrados, convidei aqueles que de alguma forma eu já conhecia de encontros promovidos em torno da programação cultural da EMERJ, da qual estive à frente de 2001 a 2008. O grande desafio foi formar o primeiro elenco; depois do primeiro espetáculo, o elenco original se manteve e foi crescendo em outras produções. Cada dia chega mais gente.
No caso desta leitura dramatizada de “Por Elas”, pela primeira vez, eu não escolhi o elenco. Em janeiro deste ano, a desembargadora Cristina Tereza Gaulia que, inclusive, já foi personagem de diversas aventuras no palco do “Teatro na Justiça”, hoje diretora-geral da EMERJ, convidou-me para dirigir sete juízas e um juiz que ingressaram na magistratura no mesmo concurso da juíza Viviane Vieira do Amaral, vítima de feminicídio na véspera do Natal do ano passado. Durante o processo de ensaios, convidei para completar o elenco masculino mais três magistrados – um desembargador e dois juízes que já trabalharam comigo em outras produções.
Como foi dirigir uma peça com magistrados próximos à juíza Viviane?
Silvia: Poder estar junto, num momento tão dolorido, com um grupo tão próximo à juíza Viviane, falando, por meio do teatro, de tema tão caro, tem sido revelador e emocionante. Tenho certeza de que este trabalho artístico tem ajudado o grupo a elaborar o longo processo de luto dessa perda trágica e a pensar a triste realidade da violência de gênero em nosso país.
Quais são as vantagens e desvantagens da gravação híbrida?
Silvia: O teatro é uma arte essencialmente presencial, ele só se completa com presença do público. Mas com a pandemia de Covid-19, diretores e atores precisaram se reinventar para continuar a exercer seu ofício e, então, surgiram produções teatrais remotas, intermediadas por plataformas on-line.
No caso desta leitura dramatizada de “Por elas”, fizemos 12 ensaios on-line, mas decidimos por gravar presencialmente com o elenco feminino no estúdio da EMERJ para evitar problemas com a internet e também para ter mais recursos para a edição. Em um momento tão difícil, em que a pandemia de Covid-19 assola o nosso país, a grande e única vantagem da gravação não presencial é a questão da segurança. Mas, ao decidirmos pela gravação presencial, tivemos todos os cuidados e seguimos todos os protocolos de segurança. Gravamos com duas juízas por vez. O ideal seria ter gravado com as sete juízas juntas, uma vez que o personagem principal da peça é o coro de mulheres, mas não podíamos arriscar a saúde do elenco e da equipe técnica. Fizemos o nosso melhor dentro das condições limitadas que a pandemia nos impõem.
O espetáculo será em homenagem à juíza Viviane Vieira do Amaral e a todas as mulheres vítimas de feminicídio. Falar do caso da juíza, na sua opinião, é também uma maneira de mostrar que a violência doméstica está em todas as classes sociais?
Silvia: Acho que o caso da dra. Viviane é icônico justamente por ela ser uma juíza, pois demonstra que o problema da violência doméstica está muito próximo a todas as mulheres, independentemente de classe social, raça, credo, formação escolar. A violência doméstica tem que ser encarada como uma pandemia e seu enfrentamento tem que ser preventivo. A escola, a família, a sociedade e o Estado precisam estar envolvidos com essa pauta. Precisamos conversar sobre machismo estrutural, misoginia, questões de gênero, na escola, na família, com amigos e no trabalho. E o Estado tem que investir em políticas públicas para a erradicação da violência contra a mulher.