A Lei Maria da Penha (nº 11.340) completará 15 anos em 7 de agosto. A origem e a evolução da legislação foram temas de artigo do desembargador Wagner Cinelli, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, publicado nesta segunda-feira (19) no site “ConJur”.
“A lei penal vem sendo agravada para os feminicidas e o grande impulso para essa evolução legislativa foi dado pelo caso emblemático de Maria da Penha Maia Fernandes, cujo marido agressor recebeu pena de seis anos de reclusão por homicídio tentado e obteve a liberdade após cumprir apenas dois”, lembra o magistrado.
Cinelli ressalta que a lei trouxe novidades, entre elas a definição de violência doméstica e familiar contra a mulher e o reconhecimento de que essa violência agride os direitos humanos.
“As reformas legislativas para desestimular a violência de gênero são bem-vindas, mas muitas vítimas não conhecem as leis ou não confiam nas instituições o suficiente para se dirigirem a elas. O desafio para a melhora desse quadro é de toda a sociedade.”
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Wagner Cinelli é autor do livro “Sobre ela: uma história de violência”, publicado pela Editora Gryphus, e diretor do premiado curta-metragem de animação “Sobre Ela”. O desembargador frisa que quebrar o silêncio é difícil para a vítima, mas necessário.
“A mulher agredida deve ser incentivada a conversar sobre sua situação com as pessoas de sua confiança em seus círculos de amigos e parentes. Entrar em contato com a Central de Atendimento à Mulher (Disque 180) também se apresenta como uma ótima opção, pois terá ali uma escuta qualificada e que poderá lhe orientar.”
As bodas de cristal da Lei Maria da Penha
O assassinato de mulheres em razão do gênero ocorre em todos os lugares. No Brasil, foram 1.338 vítimas fatais no ano de 2020. Portanto, 111 por mês, ou quase quatro por dia. Outra constatação é que a maioria desses crimes foi praticada por atuais ou ex-companheiros. É o que revela levantamento da Folha de S.Paulo realizado perante as secretarias de segurança pública das 27 unidades da federação.
Entretanto, não se pode dizer que essa mortandade não resulte consequências para os assassinos. A sanção penal imposta ao condenado é alta, podendo chegar a 45 anos de reclusão, sendo que a progressão de regime exige cumprimento de metade da pena e a concessão de livramento condicional está vedada desde o início de 2020, quando entrou em vigor a Lei 13.964, denominada de pacote “anticrime”.
A lei penal vem sendo agravada para os feminicidas e o grande impulso para essa evolução legislativa foi dado pelo caso emblemático de Maria da Penha Maia Fernandes, cujo marido agressor recebeu pena de seis anos de reclusão por homicídio tentado e obteve a liberdade após cumprir apenas dois. A vítima, que ficou paraplégica em razão do crime, e o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional apresentaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, alegando que o Brasil tinha sido tolerante com os delitos praticados pelo ex-marido contra ela e, assim, ignorado convenções internacionais das quais era signatário.
A Comissão Interamericana acolheu a denúncia e considerou que o país, por omissão, violou direitos e descumpriu deveres, advindo recomendações que redundaram na edição da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha, diploma que trouxe várias novidades, entre elas a definição de violência doméstica e familiar contra a mulher e o reconhecimento de que essa violência agride direitos humanos.
A Lei Maria da Penha sofreu diversas modificações que, na verdade, representam seu aprimoramento, consequência natural da dura realidade das mulheres e do debate contínuo sobre o assunto. Entre as inovações, há a possibilidade do afastamento do agressor do lar pelo delegado, quando o município não for sede de comarca, e também pelo policial, quando, na hipótese anterior, não houver delegado disponível no momento da notícia do fato. Recente alteração na Lei Maria da Penha e no Código Penal é a criminalização da violência psicológica contra a mulher.
As reformas legislativas para desestimular a violência de gênero são bem-vindas, mas muitas vítimas não conhecem as leis ou não confiam nas instituições o suficiente para se dirigirem a elas. O desafio para a melhora desse quadro é de toda a sociedade. A mulher enredada em situação de dominação precisa saber que não está sozinha e que não é a primeira a viver dramas e medos impingidos pelo companheiro ou por outro homem com quem tem ou teve vínculo afetivo.
Quebrar o silêncio é difícil para a vítima, mas é necessário. A mulher agredida deve ser incentivada a conversar sobre sua situação com as pessoas de sua confiança em seus círculos de amigos e parentes. Entrar em contato com a Central de Atendimento à Mulher (Disque 180) também se apresenta como uma ótima opção, pois terá ali uma escuta qualificada e que poderá lhe orientar.
A lei que leva seu nome está completando 15 anos. Que bom que a temos, mas a estrada é longa e disso bem sabe Maria da Penha, que fez de sua dor um farol para iluminar a escuridão de tantas mulheres subjugadas por seus companheiros. Ela, melhor do que ninguém, tem ciência de que o assunto é grave e urgente.
Que o exemplo de seu ativismo contagie todas as pessoas para que um dia a proteção das mulheres seja socialmente inata e que essa violência exista apenas na história.