Artigos | 30 de março de 2020 15:05

Em artigo, Fux pede ‘humildade judicial’ em casos de Covid-19

Ministro Luiz Fux, vice-presidente do STF | Foto: Fellipe Sampaio/ SCO/ STF

O vice-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, assina artigo publicado nesta segunda-feira (30) no jornal “O Globo” sobre a resposta do Judiciário nacional aos casos relacionados à pandemia de coronavírus. Segundo o ministro, é necessária “a humildade judicial de reconhecer, em muitos casos, a ausência de expertise em relação à Covid-19” e que a figura do amicus curiae pode auxiliar nas decisões.

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Veja abaixo o artigo na íntegra:

Justiça infectada? A hora da prudência
Se exige-se do homem médio ouvir e respeitar a Ciência, com mais razão assim devem proceder os magistrados
Por Luiz Fux

Vivemos um momento de pandemia experimentado pelas grandes nações, incluindo o nosso amado Brasil. O cidadão comum, levado pela ansiedade que lhe subtrai a razão, exige respostas rápidas, sem ponderações: sim ou não!

Esse é um comportamento esperado do ser humano diante da perspectiva de crise. Todos almejam voltar às suas atividades usuais porque o homem nasceu para o trabalho, como já afirmavam os antigos (homo nascitur ad laborem).

Entretanto, para além das discussões entre universalismo e utilitarismo, é hora de ouvir a Ciência, como bem destacou o ministro da Saúde há pouco, em entrevista marcada pela excelência de seu conhecimento e atuação, no noticiário vigilante da GloboNews.

Essa conclamação se estende aos juízes e juízas do Brasil. Ora, se se exige do homem médio ouvir e respeitar a Ciência, com mais razão assim devem proceder os magistrados, dos quais se exigem soluções razoáveis diante do quadro excepcional!

Em todas as instâncias, ações judiciais proliferam em relação às medidas governamentais de contenção à pandemia.

Está na ordem do dia a virtude passiva dos juízes e a humildade judicial de reconhecer, em muitos casos, a ausência de expertise em relação à Covid-19.

É tudo novo para a Ciência, quiçá para o Judiciário.

Nesse contexto, impõe-se aos juízes atenção para as consequências das suas decisões, recomendando-se prudência redobrada em cenários nos quais os impactos da intervenção judicial são complexos, incalculáveis ou imprevisíveis.

Antes de decidirem, devem os juízes ouvir os técnicos, porque uma postura judicial diversa gera decisões passionais que desorganizam o sistema de saúde, gerando decisões trágicas e caridade injusta.

A novel figura do amigo da Corte (amicus curiae), que pode ser um cientista, um economista, um médico, foi incorporada ao novo Código de Processo Civil para coadjuvar os juízes e tribunais nas decisões que exigem conhecimentos que escapam à formação dos profissionais do Direito.

A participação desses experts é fundamental, na medida em que aqui e ali vislumbram-se decisões que apreendem máscaras e remédios, internam-se pessoas cujo tratamento deve ser caseiro, fadigando a disponibilidade de leitos hospitalares, impede-se a criação de postos próximos aos cidadãos para receberem o auxílio econômico governamental, entre outras.

Positivamente, não é hora do impulso imoderado, mas do raciocínio prudente, racional e consequencialista, sob pena de a Justiça, cujo o desígnio é dar a cada um o que é seu, transformar-se num paciente infectado por uma Covid que adoece a alma e a razão, ferindo de morte, a um só tempo, a vida dos que sofrem e a esperança dos que intentam viver.