O site Consultor Jurídico (ConJur) divulgou o artigo “Segurança jurídica e fixação do dano moral em relações contratuais de consumo”, de autoria da juíza Flávia de Almeida Viveiros de Castro, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), e do professor Leonardo Jacintho Teixeira, da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).
Confira abaixo o texto, publicado na última quarta-feira (29):
Segurança jurídica e fixação do dano moral em relações contratuais de consumo
Uma crítica constante feita ao Poder Judiciário quando se analisa as decisões vinculadas ao cumprimento dos contratos diz respeito à imprevisibilidade das condenações, sobretudo quando o tema é o dano moral.
Segurança jurídica e possibilidade de prever as consequências de determinada conduta são faces da mesma questão: aquele que sofre a ameaça de ser responsabilizado por descumprimento contratual tem de ter ferramentas para avaliar a possibilidade de sua condenação e a possível extensão da indenização que poderá ter de arcar.
A parte que está em vias de ser processada ou que já é ré em uma ação indenizatória tem de ter condições de estimar se seria interessante realizar transação pré-processual ou conciliar com aquele que se sente por ela prejudicado, sendo para tanto indispensável conhecer todas as variáveis envolvidas na possível solução judicial para a situação concreta litigiosa.
Entretanto, não são só os sujeitos do processo que necessitam realizar prognoses sobre seus possíveis desdobramentos. Os advogados certamente têm grande interesse em poder antecipar decisões judiciais. Isso evitaria que, em muitas situações, fossem injustamente acusados de falta de cuidado, diligência e técnica na condução dos feitos, apenas por que o cliente fica sabendo que outra parte obteve indenização consideravelmente superior em um caso concreto análogo ao seu e se sente prejudicado.
A variável indenizatória relacionada ao dano moral é, muitas vezes, uma incógnita difícil de pré-determinar. A ponderação realizada pelo magistrado, para fixar o quantum ressarcitório, faz uso de conceitos indeterminados, extremamente abertos e fluídos, tais como “razoabilidade” e “proporcionalidade”, não permitindo que de antemão a parte que sofre o processo (ou mesmo ainda na fase da reclamação administrativa) possa avaliar se seria ou não de seu interesse levar o caso para exame pelo tribunal, ou se tudo poderia ser resolvido através de uma possível conciliação.
Não se está aqui advogando a tese da tarifação pura e simples do dano moral, o que seria incompatível com seu escopo vinculado à compensação da lesão provocada à dignidade da pessoa humana, especialmente na esfera do Direito do Consumidor. Entretanto, defende-se a possibilidade de serem explicitados os critérios utilizados pelo magistrado para decidir pela existência de lesão extrapatrimonial, bem como quais os parâmetros utilizados para fixar o montante indenizatório.
As partes envolvidas em um litígio têm direito de saber como o tribunal decide em específicas situações, quais são os critérios utilizados e qual o valor que a possível condenação por danos morais poderá ensejar.
É justamente em relação à acertada crítica à falta de previsibilidade das indenizações fixadas em torno desse tema — dano moral no descumprimento do contrato — que o Observatório de Pesquisa Bryant Garth, da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, desenvolve estudo acadêmico inovador para municiar os magistrados do estado do Rio de Janeiro de critérios de fixação do dano moral, bem como estabelecer parâmetros de valoração das lesões de natureza extrapatrimonial.
No trabalho em execução está sendo utilizado o método denominado “jurimetria”, o qual objetiva, na pesquisa em análise, o emprego dos dados obtidos de forma a diminuir a discrepância entre as decisões tomadas pelos magistrados acerca da existência e valoração dos danos morais em relações de consumo, tendo como foco específico o universo das relações jurídicas de consumo estabelecidas através dos contratos bancários. A jurimetria é uma metodologia na qual são levantados elementos de decisão, que darão respaldo às futuras soluções jurídicas para casos análogos, de modo a contribuir para tornar os tribunais uníssonos a respeito da validação ou crítica de condutas e comportamentos.
Embora também possa ser conceituada como “estatística aplicada ao Direito”, a jurimetria não é mera ferramenta voltada para a criação de tabelas e gráficos. Ela pretende extrair das análises elaboradas muito mais do que simples dados estatísticos: são conceitos, critérios e valores a serem explicitados, dando a partes, advogados e juízes a precisão indispensável para que a fixação do dano moral possa ser reflexo de uma análise respaldada pela doutrina e jurisprudência, em que são colhidos dados que cristalizam — ao menos por um tempo — o sentimento da sociedade e dos tribunais acerca de determinada conduta, validada (ou não) como lesiva à esfera extrapatrimonial do indivíduo.
Na contemporaneidade, diante do aparato de programas e artefatos computacionais, ao lado dos algoritmos aliados ao crescente uso da inteligência artificial, pode-se extrair das análises muito mais do que simples tabelas estatísticas. A jurimetria permite trilhar um caminho que transforma meros dados estatísticos não só em teorias nascidas e formuladas com base neles, mas, principalmente, em um instrumento de compreensão de como funcionam os tribunais e seus mais diversos mecanismos decisórios.
Os benefícios dessa pesquisa são óbvios: segurança e previsibilidade das decisões, como já relatado, mas também a possibilidade de avaliar aprioristicamente as chances de sucesso da causa, os argumentos jurídicos que são chave para o reconhecimento do direito de quem pleiteia a indenização desta natureza e, principalmente, a possibilidade de a sociedade, em especial nas relações de consumo, poder regular sua conduta para prevenir e precaver eventual condenação em danos morais.
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