O site especializado em Direito “ConJur” publicou nesta quinta-feira (20) o artigo “Meter a colher é algo necessário”, de autoria do desembargador Wagner Cinelli, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). No texto, o magistrado aborda o enfrentamento à violência contra a mulher.
“Leis que aumentem a proteção são bem-vindas, mas gritos de socorro não dependem delas para serem ouvidos. Dentro ou fora de um condomínio, atendamos aos apelos que nos chegarem, metamos a colher, pois só com a participação de todos será possível uma alteração dessa triste realidade”, ressaltou.
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Wagner Cinelli é autor do livro “Sobre ela: uma história de violência”, publicado pela Editora Gryphus, e diretor do premiado curta-metragem de animação “Sobre Ela”.
Confira abaixo a íntegra do artigo do desembargador:
Meter a colher é algo necessário
Relações abusivas existem e a experiência demonstra que elas não terminam na primeira agressão. A primeira é apenas a antecedente da segunda e assim por diante, podendo a união tóxica durar por toda uma vida.
O estudo “Women as victims of partner violence” (“Mulheres vítimas de violência praticada pelo companheiro”), da FRA, que é a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, publicado em 2019, indica que mulheres vítimas se frustram quando procuram a polícia. Primeiro porque esperam obter proteção e segundo porque acreditam que uma investigação terá início, mas acabam esbarrando no desinteresse da autoridade, que parece encarar a violência doméstica contra a mulher como uma questão de menor importância, algo da esfera familiar, a atrair a expressão popular “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”.
A reduzida atuação da autoridade em casos de violência praticada pelo companheiro recebe crítica na conclusão do estudo, que destaca que essas agressões, mesmo quando praticadas em ambiente privado, não podem ser tratadas como questão privada.
Não estamos diante de uma constatação a respeito da polícia brasileira, mas de polícias em países do Velho Continente, considerados econômica e socialmente avançados, a indicar que a problemática é universal.
A primeira porta que a mulher vítima costuma procurar é a da polícia, que deve recebê-la da forma mais acolhedora possível, fazendo uma escuta qualificada e atuando com diligência. Esses pressupostos norteiam as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams). Mas não há Deam em todas as cidades. Por isso, é fundamental que todas as delegacias estejam orientadas para a atuação mais eficiente possível nesses casos de violência.
Muitas mulheres relatam que, ao procurarem a polícia, sentiram-se acuadas com perguntas do tipo “o que você fez para ele lhe bater?”. Parodiando Lúcio Flávio, que disse “polícia é polícia, bandido é bandido”, pode-se afirmar aqui que o foco correto é “agressor é agressor, vítima é vítima”. Nada que a vítima tenha feito dá ao companheiro direito sobre o corpo dela.
Ele não tem autorização para agredir e, se o faz, mesmo que dentro do recôndito do lar, o crime é de ação pública. Assim, com o objetivo de dar efetividade à norma penal, o Projeto de Lei nº 2.510/2020 visa a tornar obrigatório que vizinhos e síndicos reportem às autoridades casos de violência doméstica e familiar contra a mulher ocorridos no âmbito do condomínio. Enquanto a lei federal não vem, diversas legislações estaduais têm seguido essa diretriz. Decerto que só a lei federal pode criar a figura penal. Por isso, essas leis locais cominam apenas multa para o condômino ou o síndico omisso, mas já é um avanço.
Leis que aumentem a proteção são bem-vindas, mas gritos de socorro não dependem delas para serem ouvidos. Dentro ou fora de um condomínio, atendamos aos apelos que nos chegarem, metamos a colher, pois só com a participação de todos será possível uma alteração dessa triste realidade.