*ConJur
O vice-presidente dos Estados Unidos (EUA), Mike Pence, anunciou em discurso na Federalist Society, uma organização conservadora-republicana, que o presidente Donald Trump vai pedir à Suprema Corte que proíba juízes de conceder liminares contra medidas de seu governo, como decretos presidenciais. Nesse caso, pedidos de liminar deveriam ser requeridos diretamente à Suprema Corte.
O veto é direcionado à jurisdição federal. Um dos argumentos de Trump, segundo seu vice-presidente, seria o de que tais liminares o estão impedindo de governar — ou de cumprir seus deveres constitucionais quando, por exemplo, ele assina decretos destinados a aumentar a segurança do país. Para ele, isso constitui obstrução do Executivo, porque as liminares, válidas para todo o território nacional, emperram as ações do governo.
O governo Trump se queixa de que um único juiz pode conceder uma liminar que bloqueia uma ação de governo, quando a Suprema Corte precisa do voto de pelo menos cinco ministros para tomar uma decisão. As medidas de Trump foram mais bloqueadas por liminares, do que as de todos os outros presidentes combinados, diz o site “Salon”. A queixa seguinte é a de que esse poder conferido a juízes federais encoraja os demandantes a escolher um tribunal onde os juízes são [teoricamente] favoráveis a seus pedidos.
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Na verdade, esse processo chamado de “fórum shopping” acontece dos dois lados do espectro político americano. Por exemplo, procuradores democratas moveram ação, com pedido de liminar, contra o decreto de Trump que bania entrada de muçulmanos no país em um fórum da Califórnia — e obtiveram uma liminar favorável.
E procuradores republicanos moveram ação contra o Obamacare, o seguro-saúde acessível à população de baixa e média renda que Trump quer substituir pelo Trumpcare, em um tribunal do Texas. A liminar foi concedida, embora suspensa temporariamente. Afinal, ainda não existe sequer um projeto de lei que crie o Trumpcare.
O professor da Faculdade de Direito de Harvard, Noah Feldman, escreveu em um artigo para a “Bloomberg” que os ministros da Suprema Corte tenderão a não atender o pedido de Trump por uma simples razão: isso representaria muito mais trabalho para eles. Hoje em dia, eles aceitam pouco mais de 100 casos apenas, de uma leva de mais de 12 mil que é protocolada na corte por ano.
Atualmente, para os casos que chegam à Suprema Corte, relacionados ou não a pedidos de liminar, a maioria é resolvida rapidamente. Basta a corte determinar que não vai julgá-los. Assim prevalecem as decisões dos tribunais inferiores. E se realmente não gostarem da liminar, podem derrubá-la.
O anúncio de que Trump vai desafiar a capacidade dos juízes federais de conceder liminares contra seus atos executivos animou os professores de Direito a criar grupos de discussão, para determinar os prós e contras da iniciativa presidencial. É isso que torna a profissão de professor de Direito muito divertida, escreveu Feldman.
Os críticos do atual sistema concordam com o argumento de que requerimentos de liminares a juízes de primeiro grau estimula a escolha de tribunais onde uma decisão favorável é mais provável. Para eles, a liminar concedida por um juiz federal não deveria ser aplicada a todo o país. Isso é o que eles chamam de “liminar universal”. Acreditam que um tribunal de primeiro grau tomar uma decisão que se aplica a todo o país é um procedimento é “anômalo”.
Os defensores do atual sistema afirmam que liminares que bloqueiam decretos presidenciais devem mesmo valer para todo o país. Seria inconcebível, por exemplo, que o decreto de Trump que bane a entrada de cidadãos de determinados países nos EUA seja bloqueado na Califórnia e válido no Texas (e em todos os outros estados conservadores que não bloquearem o decreto através de liminares).
Argumentam, ainda, que liminares com validade nacional serão sempre rejeitadas pelo partido que está no poder e abençoadas pelo partido de oposição. Para as partes que se sentem prejudicadas, esse é o caminho para se opor a medidas do governo — e também do Congresso.
O professor Feldman acredita que essa é uma boa razão para o Congresso nunca ter aprovado uma lei que transfere o poder de conceder liminar do juiz de primeira instância para a Suprema Corte. Os congressistas não se esquecem de que podem estar na situação durante um mandato e na oposição no seguinte. Então essa é uma ferramenta que poderão precisar no futuro.
Feldman escreveu que os professores de Direito estão se empenhando em responder a questão jurídica-filosófica: um tribunal, que não seja a Suprema Corte, deve ter o poder de obrigar partes que não fazem parte do processo a cumprir uma ordem expressa em liminar? Se não, esse é um ponto fundamental contra liminares universais. Mas, por outro lado, pode ser que uma parte relevante do processo seja o governo federal. Nesse caso, não é um exagero bloquear uma medida do governo em todo o país.