O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) apresentou no início do mês, ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anteprojeto de lei complementar que disciplina as custas judiciais em âmbito nacional. A proposta busca facilitar o acesso dos mais pobres à Justiça e, ao mesmo tempo, coibir abusos de grandes litigantes.
O grupo de trabalho responsável pelo projeto, instituído em maio de 2019, se debruçou sobre o tema por cerca de um ano. Os trabalhos foram coordenados pelo ministro Villas Bôas Cueva, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), com a participação de colegas da Corte, conselheiros do CNJ e desembargadores estaduais.
O grupo observou que as custas cobradas em Estados com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), como o Piauí, são maiores que as taxas recolhidas na Justiça do Distrito Federal, unidade federativa com maior IDH.
O trabalho mostrou, ainda, que ao invés de beneficiar a parcela mais carente da população, os baixos valores das custas processuais contribuem para a chamada litigância abusiva. O CNJ destaca, por exemplo, que na Justiça Estadual do Rio de Janeiro 87% das ações cíveis foram movidas ou respondidas por apenas 30 litigantes.
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Assim, o PL estabelece valores diferenciados para dar mais efetividade à Justiça gratuita, sem incentivar a litigância abusiva. Com faixas distintas de valores, o grupo de trabalho espera equilibrar a sustentabilidade do Poder Judiciário e o direito constitucional de acesso à Justiça. Os cidadãos de baixa renda poderão ser isentos de pagamentos para acionar os serviços judiciais, enquanto outros litigantes pagarão uma taxa regular.
“Com o projeto, tenta-se uniformizar os conceitos e criar balizas mínimas e máximas que permitam aos Estados, no exercício de sua autonomia, fixar as custas judiciais de modo a que o Sistema de Justiça não seja usado de maneira oportunista, para fins privados, mas que seja usado para garantir o mais amplo acesso à Justiça”, afirma o ministro Cueva.
Uso das custas
As custas judiciais são taxas devidas pelo litigante, normalmente adiantadas no ajuizamento do processo e em outros momentos, como durante a interposição de recursos. Ao fim do processo, as custas são ressarcidas pelo vencido, de modo que não há prejuízo nem para o Estado nem para o vencedor, só para quem deu injusta causa a uma demanda.
Os valores são cobrados para garantir o funcionamento do Sistema de Justiça. Além da cobrança de custas, o Judiciário é financiado por impostos. Aqui há outra discrepância: em países como a Alemanha, as custas judiciais chegam a cobrir 45,6% do orçamento dos tribunais; na Justiça Federal brasileira, essa cobertura é de aproximadamente 2%, fazendo com que a imensa maioria dos gastos judiciais seja paga pelo Estado.
Para garantir maior autonomia ao Poder Judiciário, o PL prevê, no artigo 23, que as arrecadações de custas não sejam computadas no limite previsto no artigo 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Com isso, a proposta busca equilíbrio entre as fontes de financiamento do Judiciário, sem onerar o contribuinte, nem prejudicar o acesso à Justiça. Além disso, o CNJ acredita que um sistema focado no financiamento por impostos acaba incentivando os litígios.
“O dispositivo quanto à forma como as custas serão gastas visa viabilizar aos órgãos do Poder Judiciário a utilização dos recursos próprios arrecadados cuja incidência do limite da EC 95 poderia impedir, em prejuízo da independência e autonomia do Poder Judiciário”, explicou o CNJ em nota.
Três princípios
O anteprojeto do CNJ baseia-se em três princípios gerais: tornar viável a oferta de serviços judiciários, provendo incentivos para que o nível de utilização seja socialmente ótimo; fazer com que as custas não obstruam o acesso ao Judiciário, nem reforcem desigualdades de acesso conforme os níveis de renda; e impulsionar o uso racional da máquina judiciária, tanto no que se refere ao direito do exercício de demandar, quanto no que diz respeito às condutas processuais.
Para preservar a autonomia dos entes federativos, o projeto uniformiza os momentos e os critérios para a cobrança das custas, cabendo às respectivas leis de regência estabelecer as alíquotas, de acordo com os parâmetros da lei geral. O texto também estabelece uma diferenciação entre as custas e as despesas processuais, que, em conjunto com os honorários advocatícios sucumbenciais, compõe o conjunto de encargos processuais.
“A divisão de custas em diversas etapas busca proporcionar momentos de reflexão para que as partes possam avaliar se desejam prosseguir com o processo, evitando a falácia dos custos afundados ou irrecuperáveis”, explica Cueva.
Por fim, a medida incentiva métodos conciliatórios. O artigo 10 prevê que a lei poderá criar políticas especiais para métodos autocompositivos de resolução de conflitos, por meio do estabelecimento de custas diferenciadas, sem prejuízo da possibilidade de concessão da Justiça gratuita.
Quando o litigante utilizar serviços oferecidos pelos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, por exemplo, poderão ser fixadas custas 50% menores se comparadas ao ajuizamento comum de demandas.
(Com informações do ConJur)