Artigos de Magistrados | 09 de agosto de 2022 12:32

No ‘Monitor Mercantil’, desembargador escreve sobre feminicídio

Foto: Marcos Santos | Divulgação

O jornal “Monitor Mercantil” publicou, nesta segunda-feira (8), o artigo “Homens que matam mulheres”, escrito pelo desembargador Wagner Cinelli, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). O magistrado abordou o aumento dos casos de feminicídio e a importância de denunciar atos de violência.

“A primeira providência é reconhecer-se em risco e quebrar o silêncio. Afinal, mulheres que vivem um relacionamento abusivo costumam ter dificuldade para falar sobre isso, seja por se sentirem sem apoio, seja por vergonha. O caminho, pois, é procurar as pessoas de sua confiança ou os canais disponíveis, que são o Disque 100, o Ligue 180, a DEAM, o órgão de assistência judiciária e as demais instituições voltadas para a questão”, informou.

Wagner Cinelli é autor dos livros “Sobre ela: uma história de violência” e “Metendo a Colher” e diretor do premiado curta-metragem de animação “Sobre Ela”. Confira o artigo:

Homens que matam mulheres

A tragédia Otelo, o mouro de Veneza, de William Shakespeare, escrita há mais de 5 séculos, ganhou o mundo. Na trama, o personagem principal, general Otelo, cego de ciúmes, avisa sua mulher Desdêmona de que sua hora chegou e a asfixia em seu leito, matando-a.

O feminicídio, como outros fatos sociais, é antigo e universal. Por tal motivo, estar na literatura é apenas um reflexo da realidade. Mulheres são mortas, vítimas de violência de gênero, todos os dias no mundo inteiro e, para usar os termos da lei brasileira, suas vidas são ceifadas “por razões da condição de sexo feminino” (artigo 121, § 2º, VI, do Código Penal).

Esse crime, antes da Lei 13.104/2015, era capitulado como homicídio. Por isso, os dados sobre feminicídio no gráfico abaixo são de 2016 em diante, retirados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que compila e analisa informações fornecidas por diversas agências que integram a Justiça Criminal, incluindo polícias civis, militares e federal.

Verifica-se um crescimento no número de vítimas no período de 2016 a 2020, que praticamente se mantém em 2021, valendo lembrar que pode haver feminicídio que, por não ter a autoria ou a motivação esclarecida, acaba sendo classificado como homicídio e, desse modo, fica de fora da estatística dos delitos de gênero.

Portanto, consoante o Anuário, são quase quatro mulheres por dia vítimas desse crime de ódio no Brasil, sendo que, na maioria das vezes, seus assassinos são pessoas com quem tiveram relações de afeto ou parentesco.

O assunto, portanto, é gravíssimo e, quando tratamos do feminicídio, devemos considerar que aquela mulher não foi vítima de um único delito. Sua vida lhe é arrebatada como o ápice de uma série de atos de violência. Nesse sentido, como destacam os professores Margo Wilson e Martin Daly no artigo “Till Death Us Do Part”: “…matar é apenas a ponta do iceberg. Para cada esposa assassinada, centenas são espancadas, coagidas e intimidadas.”

Significa que a cadeia de violência que atinge uma mulher nessa situação pode ser interrompida, evitando-se a subtração de sua vida. Para tanto, a primeira providência é reconhecer-se em risco e quebrar o silêncio. Afinal, mulheres que vivem um relacionamento abusivo costumam ter dificuldade para falar sobre isso, seja por se sentirem sem apoio, seja por vergonha. O caminho, pois, é procurar as pessoas de sua confiança ou os canais disponíveis, que são o Disque 100, o Ligue 180, a DEAM, o órgão de assistência judiciária e as demais instituições voltadas para a questão.

O rompimento do silêncio, seguido da ação pertinente, pode ser a diferença entre a vida e a morte. Do contrário, a realidade corre o risco de imitar a ficção. Afinal, Desdêmona não acreditou quando seu marido anunciou sua intenção assassina, ao passo que, em muitos enredos, o feminicida sequer avisa o momento do golpe fatal.

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