Artigos de Magistrados | 20 de junho de 2022 12:02

Ministro Bellizze e advogado Mazzola escrevem sobre sanções premiais

Marco Aurélio Bellizze e Marcelo Mazzola

O site Consultor Jurídico (ConJur) publicou o artigo “Sanções premiais e indução de comportamento”, escrito pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e pelo advogado Marcelo Mazzola. O texto foi divulgado na última sexta-feira (17).

“Na prática, as sanções premiais propiciam a criação de um círculo retroalimentante de positividade, funcionando como indutores de comportamentos, o que favorece o cumprimento antecipado de metas e obrigações”, ressaltam os autores. Confira a íntegra do artigo.

Sanções premiais e indução de comportamento

Em qualquer sociedade organizada, normas são fundamentais para viabilizar o convívio em harmonia. Sem pautas de conduta definidas, prevaleceriam a desordem e a insegurança.

De um modo geral, cabe ao Estado fiscalizar o cumprimento das normas. E uma de suas ferramentas é a sanção, considerada instrumento de direcionamento social.

A sanção tanto pode ter uma feição negativa (punir os transgressores) como uma conotação positiva (premiar comportamentos). Ou seja, punir é apenas uma forma de disciplinar, mas não a única.

Em termos simples, a sanção é a consequência negativa (repressiva) ou positiva (premial) prevista pelo ordenamento jurídico para estimular determinado comportamento.

No decorrer do tempo, a lógica premial e o viés promocional ganharam relevância, uma vez que a “técnica punitiva revelou-se muito simplista e inadequada”.

Nesse contexto, destacam-se as sanções premiais, que ajudam a formar um sistema de incentivos voltado à promoção de comportamentos socialmente desejáveis, recompensando condutas virtuosas, cujos efeitos se irradiam para o futuro.

De fato, é preciso “resgatar a função da ordem jurídica, que é a de aperfeiçoar o convívio social, estimulando comportamentos desejáveis e reprimindo os indesejados”.

Na prática, as sanções premiais propiciam a criação de um círculo retroalimentante de positividade, funcionando como indutores de comportamentos, o que favorece o cumprimento antecipado de metas e obrigações.

Basta pensar, por exemplo, na obrigação anual dos contribuintes de pagarem o IPTU, com a possibilidade de se valerem de um desconto percentual, caso o pagamento seja feito antes do vencimento. A sistemática estimula o contribuinte a antecipar o pagamento em troca de um benefício individual (desconto percentual — a sanção premial). Perceba-se que o indivíduo não é obrigado a adotar a conduta indicada, mas, se o fizer, fará jus ao prêmio.

A lógica premial também se verifica nos contratos de aluguel (abono ou bônus de pontualidade). Sobre o tema, um dos autores deste artigo já teve a oportunidade de assinalar em voto exarado no REsp 1.424.814/SP:

A par das medidas diretas que atuam imediatamente no comportamento do indivíduo (proibindo este, materialmente, de violar a norma ou compelindo-o a agir segundo a norma), ganham relevância as medidas indiretas que influenciam psicologicamente o indivíduo a atuar segundo a norma. Assim, o sistema jurídico promocional, para o propósito de impedir um comportamento social indesejado, não se limita a tornar essa conduta mais difícil ou desvantajosa, impondo obstáculos e punições para o descumprimento da norma (técnica do desencorajamento, por meio de sanções negativas). O ordenamento jurídico promocional vai além, vai ao encontro do comportamento social desejado, estimulando a observância da norma, seja por meio da facilitação de seu cumprimento, seja por meio da concessão de benefícios, vantagens e prêmios decorrentes da efetivação da conduta socialmente adequada prevista na norma (técnica do encorajamento, por meio de sanções positivas).

Na área penal, os acordos de colaboração premiada são terreno fértil para as sanções premiais, especialmente no plano do direito material. Com alguma frequência, controvérsias dessa natureza são dirimidas pelo Poder Judiciário.

Ainda na seara penal, vale mencionar a figura do whistleblower – informante do bem – trazida pela Lei nº 13.964/19 (pacote AntiCrime). Em casos de crime contra a administração pública, o informante será recompensado em até 5% do valor recuperado quando as informações por ele disponibilizadas facilitarem a “recuperação de produto de crime” (art. 4º-C, § 3º, da Lei nº 13.608/18).

Na área tributária, cabe mencionar os arts. 138 e 160, parágrafo único, do Código Tributário Nacional.

Em relação ao art. 138, que materializa o instituto da denúncia espontânea, o STJ decidiu que a hipótese ocorre quando o contribuinte, após efetuar a declaração parcial do débito tributário sujeito a lançamento por homologação, acompanhado do respectivo pagamento integral, retifica-a antes de qualquer procedimento da Administração Tributária, noticiando a existência de diferença a maior e efetuando o pagamento concomitantemente. De acordo com o STJ, “a sanção premial contida no instituto da denúncia espontânea exclui as penalidades pecuniárias”, isto é, as multas decorrentes da impontualidade do contribuinte.

Já no campo do processo civil, muitos dispositivos contemplam benefícios para estimular determinada conduta ou comportamento.

Por exemplo, o artigo 90, § 4º, do CPC estabelece que, se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir a obrigação, os honorários serão reduzidos pela metade.

Quanto à ação monitória, se o réu efetuar o pagamento da dívida no prazo legal, incluindo o percentual de 5% a título de honorários advocatícios (metade do mínimo legal), ficará eximido das custas processuais (artigo 701, caput e § 1º, do CPC).

Sob o prisma da execução, se o executado efetuar o pagamento integral do débito no prazo de três dias, o valor dos honorários advocatícios será reduzido pela metade (artigo 827, § 1º, do CPC). Já no prazo dos embargos à execução, se o executado reconhecer o crédito do exequente e comprovar o depósito de trinta por cento do valor da execução, acrescido de custas e honorários, poderá parcelar o restante em até seis parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de mora de um por cento ao mês, independentemente de concordância do exequente (artigo 916 do CPC). A opção pelo parcelamento importa renúncia ao direito de oferecer embargos (artigo 916, § 6º).

A lógica premial também pode ser explorada em convenções processuais celebradas antes ou durante o processo (artigo 190 do CPC).

Por exemplo, é possível os litigantes acordarem que, se o devedor oferecer algum imóvel idôneo como garantia antes de qualquer ato de constrição, o credor ficará impedido de penhorar um bem específico indicado pelo devedor (artigos 833, I c/c 848, II, do CPC). Na fase de cumprimento de sentença, as partes também poderiam convencionar o afastamento da proibição contida no artigo 916, § 7º, do CPC (que veda expressamente o parcelamento nessa seara), se o devedor apresentar — no prazo do artigo 523 do CPC, juntamente com o depósito de 30% do débito —, um seguro-garantia do restante da dívida.

Por fim, discute-se atualmente a possibilidade de o próprio juiz estipular prêmios para estimular comportamentos (sanções premiais atípicas), à luz do artigo 139, IV, do CPC (“medidas indutivas”). O tema ainda é novo, mas a iniciativa, ao menos em perspectiva, afigura-se possível, desde que sejam observados alguns requisitos (não afetação de direito alheio, impossibilidade de se transferir externalidades ao Judiciário, necessidade de fundamentação adequada e observância ao princípio da proporcionalidade).

Nesse particular, cabe registrar que o Superior Tribunal de Justiça reconhece a possibilidade de coexistência das sanções premiais com as sanções punitivas. Assim, em uma mesma decisão judicial, o juiz pode tanto fixar uma sanção premial atípica como uma sanção punitiva.

Por exemplo, suponha-se que, em ação de obrigação de fazer (no caso, duas providências distintas), o juiz fixe na decisão dois prazos: dez dias para a primeira, sob pena de multa diária de R$ 500, e 30 dias para a segunda, sob pena de multa diária de R$ 2.000. Adicionalmente, o juiz pode estabelecer que, se a primeira obrigação for cumprida antes do prazo de dez dias, o “saldo” dos dias poderá ser somado ao prazo anteriormente fixado para a segunda obrigação. Ou seja, se a primeira obrigação for cumprida em cinco dias, a parte terá 35 dias para cumprir a segunda obrigação. O juiz ainda poderia prever um escalonamento descrente das astreintes para incrementar ainda mais o comando judicial.

Desse modo, o devedor pode melhor gerenciar suas obrigações, antecipando algo que, para ele, é mais fácil e ganhando prazo adicional para cumprir a obrigação mais “complexa”, o que também beneficia o credor.

Um registro final: quando Rudolf von Ihering, ainda no século 19, vaticinou que “um dia, os juristas irão ocupar-se do direito premial”, provavelmente não poderia imaginar os múltiplos reflexos e os desdobramentos do estudo das sanções premiais, que hoje se encontram infiltradas em nosso ordenamento jurídico e podem contribuir para a racionalização da própria prestação jurisdicional.

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