A juíza Simone Ferraz (16ª Vara Criminal do Rio de Janeiro) voltou para casa impactada pelo desastre em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG). Ela atuou como voluntária no local, esta semana. Em relato emocionante, ela narra a dimensão da tragédia humana e ambiental na área devastada pela lama após o rompimento da Barragem I da Vale, em 25 de janeiro.
Segundo a atualização da Defesa Civil, há 110 mortos – 71 corpos identificados – e 238 desaparecidos. Até o momento, 394 pessoas foram localizadas e há 108 desalojados ou desabrigados.
Com a experiência adquirida na atuação em outros desastres, a magistrada foi autorizada pelo TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) a auxiliar na busca e resgate de vítimas. Ela chegou a Brumadinho na segunda-feira (28), três dias após a tragédia. Voltou ao Rio na quinta-feira (31).
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Confira o relato de Simone Ferraz:
“Cheguei de Brumadinho. Estou em casa, e dou graças ao nosso Deus por ter casa.
Segunda-feira foi dia de conhecer o tamanho da tragédia ou tentar conhecer. Conversar muito com as pessoas. Foi preciso ouvir muito! Uma necessidade de contar a história desde o começo da vida. A mãe quando engravidou, os primeiros passos do filho desaparecido, o brinquedo preferido, o colégio, o homem decente que se tornou. A família que deixou. Todos precisavam falar, todos, bombeiros, voluntários, a moça do refeitório… Foi dia também de separar mantimentos e roupas.
A verdade é que o nosso povo é solidário e isso afasta qualquer tom pejorativo sobre o brasileiro. Não somos indolentes, somos proativos!
Terça-feira foi dia de aguardar. Esperar a autorização para ir para a ‘área quente’ [principal região afetada pelo desastre]. Queria muito entrar na lama e tentar ajudar no salvamento, queria mesmo salvar alguém. Mas existe uma máxima em salvamento: ‘Não se torne uma vítima’! Então, fui ajudar no transporte de idosos. Tristes, cansados, sem forças. Os filhos desapareceram. Os filhos não voltarão para o café com broa de milho. Idas e vindas. Fui também para Contagem e perdi a conta da quantidade de doações. Fui buscar mais que um alento, fui encontrar solidariedade.
Ainda com forças, fui explorar a área. Defini o GPS, encontrei as coordenadas e ajustei a bússola. Quase me perdi. Entrei em uma mina que fica acima da Mina do Córrego do Feijão. Fiquei com medo, muito medo. Vocês não imaginam o tamanho do inferno de minério! Entranha na pele, fica para sempre.
Armado o temporal, lembrei da barragem de água que pode romper. Pensei que talvez fosse bom para lavar a lama dos corpos, mudar o Paraopeba. Gente, o rio morreu! Os peixes nadam emborcados tentando respirar, não conseguirão. O metal queima tudo. Mata tudo!
Na quarta-feira, me juntei ao grupo de Resgate de Fauna. Nunca vi um grupo tão aguerrido! Trabalham até à exaustão e sorriem quando resgatam um bichinho. Ser motorista do grupo, cuidar do ‘Fiapo’, um lindo cachorrinho, e participar de resgates valeu muito! Mas dói ver o estado dos animais. A lama tóxica corroeu a pele. Não sei se sobreviverão. Tomara!
Em resumo, fui a Brumadinho para ver de perto o quanto a ganância do homem pode matar o homem. Matar a vida, a fauna, a flora e a esperança de uma comunidade destruída. O Córrego do Feijão e a comunidade Parque da Cachoeira nunca mais serão verde e amarelo”.