* ConJur
Os conflitos que envolvem o acesso da população à saúde, seja na seara pública ou na privada, podem ser resolvidos por meio das soluções extrajudiciais, como conciliação. A opinião é do ministro do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão. Ele participou do evento Summit Saúde 2018, promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo nesta sexta-feira (17), na capital paulista.
Salomão disse que é inegável o processo de judicialização no Brasil, que decorre de uma série de fatores, como a massificação de atendimentos, o incremento da tecnologia e a precariedade do atendimento na rede de saúde pública.
“É um problema com raízes profundas, com múltiplas tentativas de solução. Alguns números falam em aumento de 600% de ações contra planos de saúde privada. Devemos imaginar soluções, pois sabemos o tamanho do problema”, disse Salomão, que julga conflitos da saúde suplementar na 2ª Seção, de Direito Privado, do STJ.
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Uma dessas soluções, segundo o ministro, são os NATs, núcleos de apoio técnico do Judiciário, que nasceram de uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça a partir de uma experiência bem sucedida no Rio de Janeiro.
Porém, segundo o ministro, essa solução só trata dos litígios já existentes. “Precisamos trabalhar a fase anterior ao litígio. Antes que ele se torne um caso judicial. Temos hoje um ambiente muito favorável para as soluções extrajudiciais”, apontou, citando o Código de Processo Civil, a Lei da Mediação e a Lei da Arbitragem (da qual é um dos criadores).
“Tem diversas soluções que estão sendo pensadas no mundo inteiro, de prevenção ao litígio. Alguns países com forte iniciativa pública na área da saúde, como Uruguai e França, desenvolveram um sistema de ombudsman médico que funciona com muita eficácia. O próprio setor se autorregula, cria mecanismos com credibilidade para resolver o problema e evita litígios”, disse Salomão.
Segundo o ministro, no Brasil isso poderia ser iniciado, mas ele não seria um tipo de call center ou balcão de reclamação: “É alguém com capacidade de diálogo com o paciente, com seus familiares, que seja um prevenidor de problemas, um divulgador de informações”.
Salomão também citou como alternativa a mediação on-line por meio das câmaras de mediação, que poderiam ser acionadas mediante cláusulas previstas em contratos. “O índice de solução é de perto de 90% nos contratos em que já foram implementados”, contou.
O ministro finalizou sua fala comentando brevemente o que tem sido julgado no STJ. No setor público, as demandas giram em torno de fornecimento de medicamento. Já na área dos planos de saúde e administradoras de benefícios, o problema maior, de acordo com Salomão, é o beneficio não estabelecido no contrato. Ele disse que 43% dos problemas surgem daí.
“Num segundo momento, mais específico, tem a questão do idoso, o reajuste por faixa etária, já julgamos a questão dos tratamentos experimentais. Estamos discutindo agora o medicamento off label (uso em situações divergentes da bula de um medicamento registrado na Anvisa).
“No mundo todo se discute isso, maior exemplo é a aspirina”, disse o ministro. “Temos, sim, um campo extraordinário para ampliar a prevenção de litígios”, concluiu.
Conhecimento específico
Por sua vez, o ministro do STJ Antonio Saldanha contou que, quando era desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, era responsável pela gestão da associação que foi formada para cuidar dos planos de saúde dos juízes cariocas e de seus familiares, que cuidava de cerca de cinco mil pessoas.
Pela preocupação com o aumento dos sinistros, foi criada uma comissão técnica da associação para avaliar os pedidos de atendimento dos segurados. Saldanha disse que os juízes, assim como a população em geral, não confiavam nesses pareceres quando atendimentos lhes eram negados.
“O associado chegava dizendo seu problema, e muitas vezes o médico especialista dizia que não tinha pertinência. O juiz ficava bravo. Fomos aperfeiçoando e tentando melhorar a abordagem com o associado. Usou-se a medicina baseada em evidência. Faziam pesquisa aprofundada. Mesmo assim os juízes duvidavam, continuavam confiando nos seus próprios médicos”, contou o ministro.
O magistrado vê essa mesma situação com os planos de saúde, “só que de forma muito mais acirrada”. “O que um juiz sabe de medicina? Nada. De planos? Um pouco. Vivenciei o recrudescimento da judicialização da saúde.”
Saldanha disse que a Constituição deu um tratamento absolutamente abrangente à saúde, devendo ela ser integral e universal. Mas segundo o ministro, o artigo 196 da Carta Magna “é um negócio irrealizável”.
“Todos serão maltratados igualzinho no mesmo hospital”, disse secamente como é a realidade. E emendou: “Mas a saúde integral vai desde o tratamento inicial psicológico até a equoterapia. Nenhum pais do mundo tem saúde integral. Isso é utopia”, afirmou.
Embrião dos NATs
Saldanha destacou que, quando juiz estadual, as demandas no Rio começaram a chegar, e as decisões judiciais saíram da curva do que seria aceitável.
“Seria inexigível esperar que o juiz fosse fazer de forma diferente. Qual juiz que não vai dar uma liminar numa madrugada de plantão com uma mãe desesperada com um filho que precisa ser internado na UTI?”, indagou à plateia. “Juiz não pode negar jurisdição. Tem que decidir alguma coisa.”
Ele disse que houve casos de juízes que determinaram a prisão de médicos que comandavam UTIs e descumpriam as decisões judiciais. Os médicos diziam que haviam pacientes em estado mais grave do que o autor da ação. “O médico mandava a lista de internados pro oficial de Justiça levar para o juiz e dizer para sua excelência escolher da lista qual paciente que ia morrer para dar lugar na UTI”, afirmou o ministro do STJ.
Com todos esses problemas da judicialização cada vez mais crescente, ele e os colegas do tribunal se reuniram com o governo do Rio e propuseram a criação de um núcleo que fornecesse subsídios técnicos para que os juízes pudessem decidir com mais cautela.
O governo do estado pagava, mas o tribunal era quem escolhia os médicos ,“para dar isenção”, disse. Era formado por farmacêuticos, médicos e até nutricionistas, que faziam plantão 24 horas no tribunal. Os pareceres eram bem fundamentados e havia pertinência com base em evidência.
“Isso arrefeceu as liminares. Desanimou aquele setor oportunista da advocacia e também de médicos. Chegou ao ponto de em duas horas o juiz ter parecer sobre determinados procedimentos. Tem até hoje no Rio de Janeiro com muito sucesso”, ressaltou.
Fonte: ConJur