Ensinar aos meninos o respeito às mulheres e a repercussão desta lição na fase adulta: foi com esse viés que a juíza Juliana Cardoso Monteiro de Barros (2ª Vara Criminal de Itaboraí) escreveu o artigo “Um manifesto às mães de meninos”. O texto foi publicado neste domingo (5) no site do jornal “O Fluminense”.
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No texto, a magistrada descreve um relacionamento permeado pela violência doméstica, com escalada de agressões psicológicas e físicas. Para ela, esse comportamento destinado às mulheres, visto em diversos casos que chegam à Justiça, é resultado de uma cultura que protege o homem – e que precisa mudar. Veja abaixo o texto na íntegra.
Um manifesto às mães de meninos
Também, ela nunca se cuidou. Largada, sabe. Nem boa dona de casa. Sempre pegou no pé dele. Grita com as crianças. Estressada. Até que um dia, ele não aguentou. Meteu mesmo a mão na cara dela. Coisa de casal. Ninguém tem que se meter. O coitado nem tem uma boa mulher em casa. Aí, já viu. Chegou estressado com o trabalho. E, em casa, aquela gritaria de criança que ela nunca consegue controlar.
Após o ocorrido, ela se calou. Assumiu a culpa por suas falhas e admitiu que ele tem razão. Anda mesmo muito estressada com todas as suas funções. Resolveu se esforçar mais para ser uma esposa melhor.
Alguns dias se passam. Depois do trabalho, ele foi para o bar com os amigos tomar uma gelada. Em casa é sempre a mesma confusão de criança zoando e mulher estressada. Melhor mesmo ficar na rua bebendo. Quando chega, a janta não está boa. Ela pergunta o que ele estava fazendo na rua até tarde. Claro que isso não é da conta dela!!!!! Ele perde a paciência. Então, novos tapas. Até chutes e socos. Ela sangra.
No dia seguinte, no trabalho, diz para as amigas que tropeçou e caiu de cara no chão. Uma semana se passa. Nove da noite. Ele não chegou. Quando aparece, já embriagado, dorme no sofá e deixa o telefone na mesa.
Ela não resiste ao barulho das notificações e vai olhar o telefone dele. Aquela desconfiança se transforma em constatação. Ele tem outra. Ela tira satisfação. Daí novos tapas, chutes e socos mais fortes. Ela já estava até acostumada a tomar uns sacodes dele. Agora, traição já é demais.
Assim, munida por uma coragem oriunda da dor da traição, ela vai até a Delegacia. Pede a proteção legal. A justiça determina que ele seja afastado do lar. No dia da audiência, com as feridas externas já cicatrizadas, eles conversam no corredor do fórum. Na frente da juíza, ele diz estar arrependido. Ela diz que estava nervosa e que quer acabar logo com essa coisa de justiça na vida deles. Eles voltam. Semanas depois, o ciclo se renova e a estória se repete.
A reflexão que se impõe é que a cultura machista em que vivemos entende que o homem tudo pode e a mulher tudo deve. Mulher tem que ser mulher, embora acumule há alguns anos funções outrora do homem, como sustento da casa, entre outras.
O mundo mudou, mas a cabeça do homem não. E de parte das mulheres também não, já que internalizam culpa por todas as falhas que geram o descontentamento do homem.
O relato acima nada mais é do que um manifesto às mães de meninos para que orientem seus filhos a darem às mulheres seu real valor, qual seja, o mesmo valor do homem!
Juliana Cardoso Monteiro de Barros é juíza de Direito titular da 2ª Vara Criminal de Itaboraí; pós-graduada em Direito Penal; membro do Fórum Nacional de Juízes Criminais; casada, mãe de três filhos.