Judiciário na Mídia Hoje | 15 de maio de 2023 11:59

Desde 2017, mais de 200 grávidas deram à luz atrás das grades no Rio

*O Globo

Sentir as primeiras dores do parto atrás das grades, descartar o leite que sobra no peito na pia do banheiro e ter uma rotina de cuidados com o bebê sob vigilância. Assim é a vida na ala materna no sistema prisional feminino do Rio. Desde 2017, 763 mulheres grávidas deram entrada nos presídios do estado; e 210 tiveram seus filhos nessa situação. Um número que não para de crescer: nos primeiros quatro meses deste ano, foram 106 gestantes presas — mais da metade do total de 2022, quando as penitenciárias receberam 208 grávidas e lactantes.

Nos últimos dois anos, o processo de acolhimento das detentas gestantes mudou. A Unidade Materno Infantil (UMI) foi a primeira creche penitenciária do Brasil, fundada em 1966 como anexo da Penitenciária Talavera Bruce, no Complexo de Gericinó, em Bangu, na Zona Oeste. Até o início da pandemia, a unidade abrigava apenas as detentas puérperas (as que acabaram de dar à luz) ou lactantes. Em 2020, a UMI se adaptou para receber mulheres a partir dos sete meses de gestação, ainda em 2020.

Todo o preparo para a chegada do bebê, desde o acompanhamento médico com o pré-natal até a última fralda do enxoval, é acompanhado pela equipe técnica da unidade. A mesma que conduz as gestantes ao Hospital Municipal Albert Schweitzer, em Realengo, onde nascem os bebês.

Muitas das detentas que entram no sistema já são mães, mas dificilmente veem seus filhos nas visitas: os tutores preferem não expor as crianças ao cenário da prisão.

Nos últimos dois anos, o processo de acolhimento das detentas gestantes mudou. A Unidade Materno Infantil (UMI) foi a primeira creche penitenciária do Brasil, fundada em 1966 como anexo da Penitenciária Talavera Bruce, no Complexo de Gericinó, em Bangu, na Zona Oeste. Até o início da pandemia, a unidade abrigava apenas as detentas puérperas (as que acabaram de dar à luz) ou lactantes. Em 2020, a UMI se adaptou para receber mulheres a partir dos sete meses de gestação, ainda em 2020.

Todo o preparo para a chegada do bebê, desde o acompanhamento médico com o pré-natal até a última fralda do enxoval, é acompanhado pela equipe técnica da unidade. A mesma que conduz as gestantes ao Hospital Municipal Albert Schweitzer, em Realengo, onde nascem os bebês.

Muitas das detentas que entram no sistema já são mães, mas dificilmente veem seus filhos nas visitas: os tutores preferem não expor as crianças ao cenário da prisão.

— A ação é inédita no estado, que, até então, só concedia a guarda completa aos seus tutores. Isso mostra o quanto o sistema está mudando e se tornando mais humanitário — afirma a magistrada.

Sentada na cadeira de balanço no pátio da Unidade Materno Infantil, X., de 33 anos, coloca o filho, de 4 meses, para dormir. Ela o acalenta, ainda sem jeito, murmurando uma canção de ninar. X. teve outros três filhos: um menino de 15 anos, uma menina de 7 e um terceiro bebê, que morreu no parto. No entanto, a experiência de ser mãe, das outras vezes, foi pouco além das primeiras contrações. Ausente na criação das crianças, passou à própria mãe a tutela dos netos. Presa desde dezembro do ano passado na UMI, ela deu à luz um menino saudável e risonho.

— Me senti sozinha quando ele ia nascer. Não tinha família perto. Comecei a chorar e não queria ver o bebê — diz ela.

X. teve de se adaptar à rotina da prisão. Café da manhã às 7h, almoço às 11h, berços arrumados, camas dobradas, banho no bebê e fraldas limpas. No berçário da penitenciária, porém, as únicas grades que se veem são as dos berços:

— Eu nunca passei esse tempo com meus filhos. Fico na esperança de ir embora com ele para poder criá-lo. Antes, eu tinha medo do cárcere. Agora, tenho medo de ficar sem meu filho.

Aos 23 anos, Y. descobriu a gravidez no dia em que deu entrada no sistema prisional do Talavere Bruce, em Bangu, há sete meses. Fazia pouco mais de um ano que ela estava foragida da Justiça. Mãe de primeira viagem, viver a maternidade sempre foi um sonho. Mas a realidade de gestar uma criança dentro do cárcere a fez repensar as escolhas que a colocaram ali:

— É minha primeira gestação, queria que minha mãe me acompanhasse. O psicológico fica abalado, mas tento manter a tranquilidade. Acredito que a prisão veio para me mudar. Eu precisava parar.

Y. já tinha uma condenação por tráfico, em 2018. Cumpriu três anos e quatro meses no sistema. Apesar de ser reincidente, ela tem esperança de conseguir responder em prisão domiciliar. O bom relacionamento com a mãe facilitou o processo de guarda do bebê antes mesmo de ele nascer. Mas a angústia de saber que só poderá acompanhar os primeiros meses de vida da primeira filha a deixa aflita.

— Eu não consegui sair da vida do crime. A gestação me mudou. Se eu soubesse que estava grávida, não teria feito o que fiz — afirma.

Há mais de 20 anos, Z., de 42, trabalha como educadora numa creche. Está acostumada a ensinar “o certo e o errado nos primeiros anos de vida das crianças”, como gosta de dizer. Ela se viu numa situação delicada desde que W., sua filha de 23 anos, foi presa, em junho de 2021, acusada de estelionato. Na época, a jovem estava grávida do segundo filho e só percebeu a gestação ao chegar à prisão. Hoje, o bebê está com 1 ano e meio, sob a custódia da avó materna. O neto mais velho, de 5 anos, fica aos cuidados da avó paterna.

— O bebê ficou oito meses com a minha filha. Ele só se alimentava com leite materno e demorou a se adaptar quando veio para minha casa. Minha filha foi influenciada porque gosta de dinheiro. E, sendo mãe solo e morando sozinha, fez a pior escolha — lamenta a avó.

Cuidar dos filhos e dos netos aumentou os gastos, os cuidados e a responsabilidade:

— Criei minha filha para seguir o caminho certo. O único arrependimento que tenho é não ter orientado mais. Agora, tenho de ensinar meus netos e meus outros filhos a não seguirem nenhum mau exemplo.

Em 2018, Beatriz de Alcântara Borges, de 31 anos, começou a ser investigada por envolvimento com tráfico de drogas, logo após a prisão do marido. O inquérito levou à expedição de um mandado de prisão. Ainda em liberdade, ela postava a rotina das visitas íntimas ao marido num perfil do TikTok que acumula mais de 32 mil seguidores. Apresentando-se como “mulher de preso” na internet, decidiu se entregar à Justiça em abril deste ano, três meses após descobrir que estava grávida:

— Já entrei no sistema com 32 semanas de gravidez. Houve uma operação para me prender, eu fiquei com medo e fui à delegacia no dia seguinte me entregar.

Beatriz é mãe de quatro filhos, de 14, 11, 9 e 7 anos. Condenada a 8 anos em regime fechado, esta é a primeira vez que ela vive a experiência da gestação no cárcere:

— Quando eu vivia no crime, era difícil criar meus filhos porque eu vivia me escondendo e eles iam comigo. Por isso, prefiro que eles não venham me visitar na prisão. Não quero que me vejam nessa situação. Não costumo mentir para os meus filhos. Eles sabem o que fiz de errado.

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