O site “Migalhas” publicou nesta quinta-feira (28) o artigo “O empoderamento feminino no mundo corporativo”, escrito pelo desembargador Wagner Cinelli, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).
“A presença feminina no mundo empresarial traz maior pluralidade de pensamento e contribui para o resgate da dívida social decorrente da desigualdade de gênero”, ressaltou o magistrado.
Wagner Cinelli é autor dos livros “Sobre ela: uma história de violência” e “Metendo a Colher” e diretor do premiado curta-metragem de animação “Sobre Ela”. Confira o artigo:
O empoderamento feminino no mundo corporativo
As mulheres, a despeito da contínua luta, ainda são preteridas em vários aspectos da vida econômica, política e social. A discriminação cultural de gênero, muitas vezes sutil, é um dos ingredientes dessa fórmula que contribui para que tenham menos acesso às posições de poder, o que inclui cargos de liderança no setor privado.
A Fortune 500, publicada pela Fortune Magazine, lista as maiores companhias norte-americanas e seus CEOs desde 1955. Mas foi só na edição de 1972 que uma mulher ingressou nesse seleto círculo: Katharine Graham, presidente do Washington Post.
Meio século se passou desde então e o número de mulheres em tal posição aumentou, mas ainda é retraído. A ONG Catalyst, que tem por foco a inclusão das mulheres no ambiente de trabalho corporativo, divulgou o estudo Women CEOs of the S&P 500, revelando que, em janeiro de 2022, apenas 33 mulheres (6,6%) eram Chief Executive Officers no universo das 500 maiores empresas listadas no índice Standard & Poors.
A presença feminina nos conselhos de administração é maior, embora ainda distante da paridade. Segundo a Catalyst, em 2021, todas as corporações ali relacionadas tinham ao menos uma conselheira em seus quadros e 30% dessas cadeiras eram ocupadas por mulheres.
A OCDE, organização intergovernamental voltada para o progresso econômico, em março de 2020, publicou pesquisa a respeito da sub-representação das mulheres em conselhos e, para tanto, foram consideradas as 500 principais multinacionais, aferidas pelo valor de mercado, apurando-se que a participação feminina nesse grupo é de modestos 16%.
O estudo ‘Mulheres em ação”, da B3, publicado em outubro de 2021, levantou dados perante as 408 companhias listadas na principal bolsa brasileira, constatando-se que 61% delas têm diretorias exclusivamente masculinas e 45% não tem uma única mulher no conselho.
A Deloitte Brasil, em novembro de 2021, divulgou os resultados da pesquisa ‘Diversidade, equidade e inclusão nas organizações’, que analisou práticas e políticas de 215 empresas, tendo verificado que, naquelas em que há conselho de administração, que é o caso de mais da metade (56%), não há nenhuma mulher em 24% desses conselhos. Outra observação é que, para os respondentes, os entraves culturais são mais fortes do que os estruturais.
Esses obstáculos culturais existem e precisam ser removidos, pois só assim teremos uma maior atuação feminina no mundo corporativo. Para tanto, a palavra-chave é inclusão. Nesse contexto, organizações internacionais têm trabalhado o tema visando abrandar esse modelo empresarial preponderantemente masculino.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) preconizados na Agenda 2030 das Nações Unidas, um pacto global celebrado em 2015, trata desse assunto em seu item nº 5: “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”. Adiante, o subtópico 5.5 volta-se especificamente para o empoderamento feminino: “Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”. O ODS 5, portanto, conclama os países membros a desenvolverem ações práticas para se alcançar essa meta.
A OCDE em conjunto com o G20 já vinha trilhando nessa mesma direção desde 1999, quando passou a publicar sobre princípios de governança corporativa com o intuito de auxiliar no desenvolvimento de políticas públicas, com vistas à eficiência econômica, ao crescimento sustentável e à estabilidade financeira. No tocante à composição dos conselhos, assim como “na gestão de topo”, destaca a pertinência do estabelecimento de cotas e outras iniciativas que aumentem a diversidade.
A Nasdaq, em agosto de 2021, passou a exigir das companhias listadas em seu índice que tenham ao menos uma mulher na diretoria, além de um membro que se identifique com uma minoria sub-representada. Outrossim, recomenda a diversidade nos conselhos.
A BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, em sintonia com a agenda ESG, estipulou em seus “Princípios Globais” que, a partir de janeiro de 2022, as empresas deveriam compor pelo menos 30% de seus conselhos com base em critérios de diversidade, observando, ainda, o mínimo de duas mulheres e ao menos um conselheiro que se identifique com uma minoria sub-representada.
Regras assim, no tocante à inserção feminina, são muitas vezes referidas, de forma depreciativa, como Pink Quotas, a sugerir que políticas dessa natureza não seriam norteadas pelo mérito da pessoa. Entretanto, sua aplicação não é para “ajudar” mulheres a atingirem o ápice da pirâmide corporativa, mas para afastar barreiras que historicamente as têm impedido de caminhar nessa direção.
A propósito, há um fator utilitário a respeito dessa diversidade que a OCDE tem destacado: mais mulheres em diretorias e conselhos tem significado mais lucros. Além disso, a presença feminina no mundo empresarial traz maior pluralidade de pensamento e contribui para o resgate da dívida social decorrente da desigualdade de gênero.
Aos que temem as cotas e outras ações afirmativas, importante frisar que não são desenhadas para durarem por tempo indeterminado. São uma alavanca que auxilia na melhor partilha do poder e, habituando-nos com sua entrada em cena, espera-se que a nova cultura retroalimente valores sociais mais saudáveis.
Para concluir, três destaques sobre a gestão de Katharine Graham no Washington Post: liderou a gigante da mídia por quase três décadas, a empresa teve um aumento de receita da ordem de um bilhão de dólares e o jornal participou, junto com o New York Times, na divulgação do Pentagon Papers, um dos fatores que resultou no escândalo Watergate e queda do presidente norte-americano Richard Nixon. Assim, a pioneira mostrou que competência é um atributo comum a homens e mulheres. Quanto à coragem, deu aula.
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