Saudação à nova direção do TJ.
A magistratura fluminense se engalana mais uma vez para a investidura de uma nova direção do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. E coube a mim, como o mais antigo membro desta Corte (não necessariamente o mais velho), o honroso privilégio de saudar, em nome de todos os seus integrantes, a nova direção do Poder judiciário do Estado do Rio de Janeiro.
Senhor presidente e senhores desembargadores, a posse de uma nova direção deste Tribunal de Justiça não deve ser considerada um simples ato de rotina administrativa que tem lugar a cada biênio, tampouco pode ser interpretada como mera consequência inevitável do princípio de alternância dos poderes, inerente ao sistema democrático. É muito mais do que isso. É ato solene de assunção de compromissos, de estabelecimento das metas e de eleição de prioridades para a realização de novas conquistas.
E se esse é o sentido da solenidade de investidura de uma nova direção neste Tribunal, maior é o seu significado e muito mais elevada é a responsabilidade daqueles que assumem a nova direção num tempo de profunda e prolongada crise, considerada por muitos como a “crise das crises”, gerando dias de conturbação política, econômica, jurídica e moral.
O Judiciário fluminense, adotando rigorosa política de gestão continuada por mais de uma década, obteve o que tem sido chamada de conquistas acumuladas em vários setores da sua atividade. Foi o primeiro a conquistar a plena autonomia financeira para o seu custeio, o que lhe possibilitou construir instalações dignas e funcionais no primeiro e no segundo graus. Foi também pioneiro na instalação dos Juizados Especiais e na informatização da Justiça, sem as quais sequer seria possível cogitar de processo em prazo razoável. Muito se empenhou, igualmente, no aprimoramento dos seus quadros de juízes e servidores através da Escola da Magistratura (EMERJ) e da Escola de Administração Judiciária (ESAJ).
Essas e outras tantas vitórias não aconteceram por acaso, nem de maneira repentina. As conquistas acumuladas, como já ressaltado, resultaram de uma política de gestão continuada na execução orçamentária do Judiciário e no correto aproveitamento dos elementos humanos de que dispõe.
A singularidade do momento que vivemos, entretanto, exige do Judiciário fluminense, em especial daqueles que assumem a sua direção, mais coragem e determinação, que mais do que qualidades, passam a ser verdadeiras imposições. Valendo-me da correta lição de ERNESTE SCHUMPETER, que “é na crise que surge o embrião da prosperidade”, não tenho dúvidas em afirmar que, diante do turbilhão da crise atual, é chegado o momento do Judiciário brasileiro, mormente o do Rio de Janeiro, mostrar a sua capacidade de transformar crises em oportunidades, aspirações em realidades, promessas em ações.
Em tempo de crise proliferam as promessas em lugar de soluções, a retórica em lugar das realizações. Surgem pessoas ótimas na relação, mas ruins na aplicação; excelentes economistas na consultoria, mas péssimos na gestão; juristas festejados que convivem com a notória negação da justiça; Ph.D. de tudo, mas que persistem no círculo de ferro da desigualdade. Vive-se de campanha em campanha, de força-tarefa em força-tarefa, de mutirão em mutirão. Mas, terminado o mutirão, o problema continua. Nenhuma mudança.
Essa cultura de campanha está fazendo com que não se cumpra a obrigação como um dever ético ou mesmo moral. Chega-se ao absurdo de campanhas para que a polícia cuide da segurança pública; campanhas para que os professores ensinem os seus alunos; campanha para que juízes julguem com presteza e governantes governem com probidade!!!
É chegado o momento, repetimos, do Judiciário brasileiro, mormente o do Rio de Janeiro, mostrar a sua capacidade de transformar crises em oportunidades, aspirações em realidades, promessa em ações. Mais do que nunca necessitamos de agentes de transformação em lugar de agentes de continuidade. A virtude está na ação e não na intenção. Chegou o momento de mudança de pensamento a respeito de determinadas questões sociais, de quebra de paradigmas e alterações de rotinas. Certo, muito certo estava Paulo Freire ao afirmar: “A teoria sem prática vira verbalismo; a prática sem teoria vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria têm-se a práxis, a ação criadora da realidade”.
Em tempo de responsabilidade social, cabe também ao Judiciário, e não apenas aos demais poderes, a penosa tarefa de buscar o equilíbrio institucional, a partir de procedimentos que permitam uma conciliação entre múltiplas expectativas de efetivação dos direitos com uma realidade econômica muitas vezes adversa.
Por melhores que tenham sido as conquistas acumuladas pelo Judiciário fluminense e por maiores que tenham sido os seus esforços na realização dessas conquistas, ainda está em débito com a sociedade em relação a alguns pontos de seu campo de atuação. Novas políticas públicas em relação ao sistema penal e penitenciário precisam ser estabelecidas e implantadas com a direta participação do Judiciário, que tem a atribuição constitucional de julgar, prender ou soltar o condenado e executar a pena. Não pode, pois, ser excluído das questões sobre o que fazer com o nosso lastimável sistema penitenciário. Deve também o Judiciário se manter em permanente alerta em face do sentimento de impunidade, que tanto estimulou a criminalidade do colarinho branco; atento às consequências sociais e econômicas de suas decisões em determinadas áreas, e a outros pontos relevantes da sua atuação.
Mas o foco principal da sua atuação continua sendo um Judiciário menos oneroso e menos moroso, mas justo e mais humano. Há nítida distinção entre acesso à Justiça e acesso ao Judiciário. A ampliação do acesso ao Judiciário, proporcionada pela Constituição de 1988, não corresponde, necessariamente, ao acesso à Justiça, porquanto o número de ações julgadas em prazo razoável ainda é sensivelmente menor que o daquelas que foram ajuizadas, e Justiça é sentimento de quem tem fome o ser humano, porque sem ela a dignidade humana é retórica.
Estes são alguns dos desafios do Judiciário fluminense nestes tempos de crise. E foi por estas e outras razões que elegemos o desembargador Milton Fernandes de Souza para presidir o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro neste biênio. Seu passado de trabalho dedicado, a sua toga imaculada e a sua alma, sob a toga, vestida de esperança e de amor à Justiça o qualificam plenamente para desempenhar essa árdua missão.
O desembargador Milton Fernandes de Souza iniciou a sua exitosa carreira jurídica em dezembro de 1975, quando se formou em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Depois de exercer a advocacia por sete anos, ingressou na magistratura fluminense em janeiro de 1984, exercendo a sua atividade judicante em comarcas do interior, na baixada fluminense, em foros regionais da capital e no foro central, onde foi titular de varas cíveis e de fazenda pública. Nesse período, atuou também como juiz-auxiliar dos presidentes Gama Malcher, Thiago Ribas e Humberto Mannes (1995-2000), o que atesta a sua vasta experiência em todas as áreas da judicatura e o seu profundo conhecimento da administração judiciária desde quando ainda juiz de primeiro grau.
Promovido a desembargador em abril de 2000, há quase 17 anos, portanto, atuou na área cível, principalmente na 5ª Câmara Cível, da qual é o seu presidente. Mas a dedicação do desembargador Milton Fernandes à administração do Judiciário fluminense não cessou com a sua vinda para o segundo grau de jurisdição, pelo contrário, a incrementou, pois acumulou a sua atividade de julgador, e sem prejuízo da sua excepcional produtividade, com a de membro do Conselho da Magistratura, presidente do Conselho de Vitaliciamento, gestor do Fundo Especial do Tribunal de Justiça, membro de várias bancas examinadoras de Concurso para Juiz de Direito na área de Direito Público, professor da EMERJ e integrante do Órgão Especial, na parte da antiguidade.
Tantos êxitos, tanta dedicação ao Direito à Justiça, não seriam possíveis se o desembargador Milton Fernandes não tivesse ao seu lado Doris Merz Fernandes de Souza, esposa solidária que o acompanha passo a passo há 36 anos com o mesmo amor da adolescência, e com quem construiu uma família exemplar, que é o seu alicerce afetivo, formada pelas filhas Karin Merz Fernandes de Souza e Erika Merz Fernandes de Souza.
É com os olhos postos em seu passado, desembargador Milton Fernandes de Souza, que nós lhe entregamos confiantemente, a chefia do nosso Poder Judiciário.
Elegemos também, juntamente com o desembargador Milton, os demais integrantes da nova administração: desembargador Cláudio de Mello Tavares para corregedor-geral da Justiça; desembargadora Elizabete Filizzola Assunção como 1ª vice-presidente; desembargador Celso Ferreira Filho para 2º vice-presidente; desembargadora Maria Augusta Vaz Monteiro de Figueiredo como 3ª vice-presidente, e o desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo como diretor-geral da Escola da Magistratura. Todos detentores de caráter impoluto, sem mácula, de notável saber jurídico e experiência profissional coroada pela ética, pela probidade e pela eficiência. São julgadores deste tempo, atualizados com a dinâmica do mundo moderno, atentos e sensíveis aos anseios da sociedade. Vão se juntar a Vossa Excelência, presidente Milton, na mais expressiva demonstração da unidade do Poder Judiciário, para dividir as pesadas responsabilidades da sua administração.
Mas, presidente Milton, diante do turbilhão da crise atual impõe-se reconhecer que o seu enfrentamento não é tarefa apenas da nova Administração. Por isto assumimos todos, com Vossa Excelência, o solene compromisso de contribuir, com o melhor dos nossos esforços, para o êxito de sua Administração, construindo, com a argamassa de nossos sonhos, o nosso ideal de Justiça.
A Justiça não pode descansar enquanto a sociedade tiver fome e sede de justiça, não pode baixar a espada enquanto a sociedade estiver convivendo com a violência e a impunidade; não pode se omitir enquanto proliferam a fraude e a corrupção; não pode ter os olhos vendados enquanto houver desigualdades. A Justiça, enfim, não pode sorrir enquanto a sociedade estiver chorando.
A nossa jornada não estará completa enquanto não atendermos o chamado da história. Fomos preparados para este tempo e vamos fazer bom uso dele- desde que o façamos juntos.
Deus esteja conosco e muito obrigado.
* O desembargador Luiz Zveiter é decano do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro