Judiciário na Mídia Hoje | 19 de setembro de 2022 16:21

Viúva e filha de colecionador de arte são denunciadas por tentativa de estelionato e uso de documento falso

*O Globo

O Ministério Público do Rio denunciou as advogadas Hecilda Martins Fadel e Marta Fadel Martins Lobão pelos crimes de tentativa de estelionato e uso de documento falso e requereu a condenação de ambas à penas privativas de liberdade. De acordo com o promotor Alexandre Themístocles, a viúva e a filha do também advogado e colecionador de arte Sérgio Ronaldo Sahione Fadel se valeram de um contrato com assinatura falsa dele e de seu filho, Marcelo Martins Fadel, para receberem honorários que atingem altas cifras. Sérgio Fadel era dono de um dos mais abrangentes acervos do país, com 1,5 mil obras de artistas como Tarsila Amaral, Guignard e Portinari, e morreu em 2017.

Segundo a denúncia, em data não determinada na investigação da Delegacia de Defraudações, mas certamente compreendida entre 14 de dezembro de 2016 e 28 de junho de 2017, no escritório Fadel e Giordano Advogados, no Centro da cidade, uma pessoa ainda não identificada, mancomunada com Hecilda e Marta, promoveu a contrafação parcial do documento intitulado Instrumento Particular de Cessão de Direitos, acrescentando na declaração escrita duas assinaturas materialmente falsificadas.

O promotor afirma que o falsário teria forjado as assinaturas de Sérgio e Marcelo, ambos já falecidos ao tempo da contratação, conforme minuciosa descrição contida nos laudos periciais do Instituto de Criminalística Carlos Éboli: “Dando-se prosseguimento à empreitada criminosa, para o incremento da potencialidade lesiva do documento espúrio, em 28 de junho de 2017, o papel foi levado ao 15º Ofício de Notas, também no Centro, onde o escrevente substituto, induzido a erro, reconheceu, por semelhança, como verdadeiras as assinaturas falsificadas. Com isso, o documento passou a conter declarações de vontade inautênticas, capazes de gerar consequências jurídicas e patrimoniais decorrentes da cessão fraudulenta de direitos à percepção de honorários devidos aos espólios dos advogados, em prejuízo dos herdeiros, entre eles Renata França Fadel, nora e viúva dos falecidos, e os filhos dela, civilmente incapazes em razão da tenra idade”.

“Consta no caderno investigatório que, em 2 de outubro de 2019, Marta e Hecilda, livre e conscientemente, em perfeita comunhão de ações e desígnios, no exercício da advocacia, com amplo e total domínio dos fatos concernentes à administração do escritório beneficiado pela cessão fraudulenta, em prejuízo da fé pública, por interpostas pessoas que desconheciam o fato ilícito, fizeram uso do documento falsificado, promovendo sua juntada nos autos da ação de execução de honorários que havia sido proposta por Sérgio, em 18 de agosto de 2009, e tramita perante o juízo da 23ª Vara Cível do Rio”, escreve Alexandre Themístocles.

Para o MP, neste contexto, as denunciadas, dolosamente, previamente ajustadas entre si, dirigindo a atividade de outros dois advogados, tentaram obter para o escritório Fadel Advogados, mediante pedido de expedição de mandado judicial de pagamento, honorários advocatícios inicialmente fixados em R$ 97.074,09, em prejuízo do espólio de Sérgio Fadel. A vantagem patrimonial seria alcançada mediante fraude consubstanciada na utilização do documento falso. Contudo, o estelionato judiciário não teria se consumado por circunstâncias alheias à vontade das denunciadas, uma vez que a juíza Andrea de Almeida Quintela da Silva, em 26 de novembro de 2021, proferiu decisão determinando a transferência dos créditos para o inventário, para resguardar o direito dos herdeiros.

Como os autos do inquérito policial dão conta da possível prática de infrações disciplinares no exercício da advocacia, o promotor solicitou ainda a remessa integral do procedimento ao presidente do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) para ciência e providências cabíveis. Diante dos elementos que indicam ainda indevidos reconhecimentos de firma por semelhança, procedidos por escrevente do cartório, ele pediu também a remessa de cópia a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Rio para medidas nos aspectos fiscalizatório e disciplinar.

Alexandre Themístocles também determinou o desmembramento do procedimento e encaminhamento ao Ministério Público Federal em relação a documentos que instruem o inquérito policial e dão conta de várias outras condutas criminosas, como delitos contra a fé pública com o propósito de violar bens de particulares. De acordo com as investigações, Hecilda, na qualidade de inventariante do espólio de Sérgio Fadel, apresentou o contrato falso em uma ação de execução de honorários, que tramita em uma das varas cíveis da comarca da capital, impedindo seus netos de receberem o que lhes era devido.

Ainda segundo o inquérito da Delegacia de Defraudações, mesmo após terem sido informadas sobre o reconhecimento da falsidade das assinaturas, as advogadas seguiram empregando o instrumento em outros processos, pleiteando o recebimento da quantia de R$ 6.321.825,33, tendo recebido até o momento R$ 1.066.667,35 – valor que foi recentemente sequestrado nas contas correntes, poupanças e aplicações financeiras das mesmas, por determinação da 11ª Vara Criminal da capital.