*ConJur
A regra da impenhorabilidade do bem de família não pode ser aplicada quando há violação do princípio da boa-fé objetiva. Assim entendeu a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao negar provimento ao recurso das proprietárias de um apartamento que requeriam a proteção legal do imóvel dado em garantia de empréstimo para empresa pertencente a uma delas.
Prevaleceu o entendimento do relator, ministro Luís Felipe Salomão. Para ele, “não se admite a proteção irrestrita do bem de família se esse amparo significar o alijamento da garantia após o inadimplemento do débito, contrariando a ética e a boa-fé, indispensáveis em todas as relações negociais”.
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Salomão explicou ainda que a jurisprudência do STJ reconhece que a proteção legal conferida ao bem de família pela Lei 8.009/1990 não pode ser afastada por renúncia do devedor ao privilégio, por ser princípio de ordem pública que prevalece sobre a vontade manifestada.
O ministro frisou que o único imóvel residencial é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, salvo as exceções legais ou quando há violação da boa-fé objetiva.
Segundo ele, a regra de impenhorabilidade aplica-se às situações de uso regular do direito. “O abuso do direito de propriedade, a fraude e a má-fé do proprietário devem ser reprimidos, tornando ineficaz a norma protetiva, que não pode conviver, tolerar e premiar a atuação do agente em desconformidade com o ordenamento jurídico.”
O relator esclareceu que a propriedade fiduciária é um negócio jurídico de transmissão condicional, sendo necessário que o alienante tomador do empréstimo aceite a transferência da propriedade para que o banco tenha garantia do pagamento.
Abuso de direito
Segundo o ministro, no julgamento do REsp 1.141.732, a 3ª Turma fixou ser determinante a constatação da boa-fé do devedor para que se possa reconhecer a proteção da impenhorabilidade prevista em lei.
“O uso abusivo desse direito, com violação ao princípio da boa-fé objetiva, não deve ser tolerado, devendo, assim, ser afastado o benefício conferido ao titular que exerce o direito em desconformidade com o ordenamento jurídico”, destacou.
No caso analisado, afirmou, as recorrentes optaram livremente por dar seu único imóvel em garantia, e não há provas de que tenha ocorrido algum vício de consentimento. “A boa-fé contratual é cláusula geral imposta pelo Código Civil, que impõe aos contratantes o dever de honrar com o pactuado e cumprir com as expectativas anteriormente criadas pela sua própria conduta”, declarou.
Salomão assinalou ainda que, nos casos em que o empréstimo for usado por empresa cujos únicos sócios sejam os cônjuges, donos do imóvel, presume-se que a entidade familiar foi beneficiada.
“Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do fiduciário, consequência ulterior, prevista, inclusive, na legislação de regência”, concluiu.
Caso
No processo analisado, uma das proprietárias do apartamento pegou emprestado o valor de R$ 1,1 milhão no banco, com o objetivo de formar capital de giro na empresa da qual é a única dona. Na operação, ofereceu como garantia o imóvel que possui em conjunto com outra pessoa, e ambas assinaram voluntariamente o contrato de alienação fiduciária.
Como a empresária não estava pagando as parcelas do empréstimo, o banco entrou com o pedido de execução da garantia. As recorrentes então propuseram ação cautelar e, por meio de liminar, conseguiram afastar temporariamente as consequências do inadimplemento.
Em primeira instância, o pedido de nulidade do contrato de garantia foi julgado improcedente, e a liminar concedida anteriormente foi cassada. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal manteve a sentença por entender que o acordo jurídico foi firmado em pleno exercício da autonomia dos envolvidos e sem nenhum defeito que o maculasse.