*Siro Darlan
Malaia virou símbolo da defesa da educação feminina após ter sido baleada pelos talibãs quando voltava da escola, e ganhou o Nobel da Paz. Maria, uma criança de cinco anos, cuja imagem foi retratada nas páginas dos jornais tomando banho nas águas sujas de um bueiro no centro do Rio virou símbolo do descaso das autoridades públicas com as crianças do Brasil.
O ECA está em vigor há 24 anos e ainda não é uma realidade e o discurso das autoridades não mudou uma vírgula. No momento em que se desnuda a falta de cuidados com a infância, o governo aponta como única reação o discurso da criminalização daqueles que têm a garantia da proteção integral no texto legal. Embora as estatísticas policiais apontem o número alarmante de 88% dos registros policiais a criança e o adolescente como vítimas, o Chefe de Polícia desmente seus técnicos afirmando que “Os menores são protegidos como se ainda vivesse na ingenuidade da idade, o que não corresponde à maioria dos casos que nós vemos nas delegacias”.
Protegidos por quem, cara pálida? Se o que se vê é um tratamento criminalizador que impede os jovens da periferia de se aproximarem das praias e espaços de lazer. Detenções ilegais de jovens que por serem negros, estarem mal vestidos, ou morarem nas comunidades são ilegalmente apreendidos sem ordem judicial de autoridade competente e sem estar em flagrante delito.
Protegidos por quem, se quando cometem atos infracionais são levados para unidades inadequadas e superlotadas do DEGASE, e submetidos às mesmas torturas que a Comissão Nacional da Verdade condena por ter acontecido num regime de exceção? Enquanto jovens no mundo inteiro são aplaudidos e premiados por um ativismo político positivo reivindicando um mundo melhor e mais justo, no Brasil são perseguidos, presos e processados.
É esse o papel da polícia, prender os desprotegidos que não são respeitados em seu estado de precário desenvolvimento? Atribuir-se a jovens que não tiveram acesso a uma escola de qualidade, como reivindica Malaia, e por isso é premiada com o Prêmio Nobel, uma pseudo maturidade raia as barras da covardia e em si, esse raciocínio se presta para justificar essa tortura coletiva sofrida pelas crianças e jovens brasileiros.
Uma resposta sadia, Senhor Chefe da Polícia, seria o senhor implantar as Delegacias de Crianças Vítimas de violência em todo o Estado, datadas de equipes técnicas competentes para diagnosticar as raízes e os autores dessa violência contra os mais fracos. Essa é a melhor fórmula para deter na raiz a violência que cresce assustadoramente. Como bom Chefe de Família verá que a mãe da violência é aquela que ensinamos como nossos exemplos a nossos filhos.
* Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia.
Fonte: Jornal do Brasil