15 de fevereiro de 2016. Há um ano a Nova AMAERJ começava. No discurso de posse, Renata Gil, a primeira mulher a presidir a Associação, conclamou a união da classe. “Juntos somos fortes e capazes de grandes feitos”, disse. Inúmeros atos, manifestações, encontros e audiências – que reuniram centenas de magistrados no Rio e em Brasília – mostraram a força da magistratura fluminense. “É o maior legado da minha gestão. O que mais me emociona é ter unido os juízes. Essa é a Nova AMAERJ que eu sonhava. Com muito esforço, unimos os grupos”, afirmou Renata Gil, emocionada.
Leia abaixo a entrevista especial da presidente da AMAERJ sobre a atuação da entidade nesses intensos primeiros 365 dias de gestão.
Em um momento de difícil relação entre Legislativo e Judiciário, a Nova AMAERJ teve atuação permanente na Câmara e no Senado. Como foi trabalhar pela independência e autonomia do Judiciário no Congresso?
Renata Gil: Buscamos o diálogo, expor os nossos pontos de vista e as especificidades da carreira. Às vezes, a imprensa aborda um determinado tema, mas o parlamentar não conhece exatamente a realidade. Esse ‘trabalho de formiguinha’, de falar com as principais lideranças, foi muito importante para garantir o que está estabelecido na Constituição. Foi diário e cansativo, em um momento em que o Parlamento tinha questões internas tumultuadas, como o impeachment. Nesse ambiente político difícil, encontramos espaço e conseguimos encerrar o ano sem que as matérias que afetavam a magistratura fossem votadas. Evitamos o afogadilho.
De que maneira o fato de a sra. ser vice-presidente da AMB influencia esse trabalho?
Renata Gil: Já está facilitando. Faço na AMB um papel que já vinha desempenhando de relações institucionais. Teremos mais força em razão de a AMAERJ já estar agregada a um movimento que hoje é nacional. Sentíamos uma dificuldade muito grande de transitar no Congresso com poucas lideranças da magistratura e agora já vemos um trabalho preventivo, que estabelece pautas próprias, não somente no momento da votação. O diálogo está aberto, hoje temos legitimidade para dialogar com as principais lideranças e presidentes das comissões.
A AMAERJ hoje tem protagonismo no cenário nacional?
Renata Gil: Sim, a AMAERJ é vista de outra forma. A Associação ocupa um espaço relevante que foi construído desde o início da gestão, quando atuamos de forma ousada em questões nacionais. Fui muito destemida e otimista. Sempre acredito que as coisas vão dar certo. Minha coragem está muito baseada na esperança de que tudo vai melhorar. Mas sou realista, não uma sonhadora, consigo olhar o cenário todo. Às vezes é totalmente negativo, os parlamentares são contra, mas na conversa encontro um espaço para construir um discurso. Enfrento qualquer situação se achar que é legítima. Isso exige uma habilidade, que é natural, não é fake. Falo as verdades, falo muito com os olhos e isso me facilita nos diálogos.
Como nasceu o trabalho conjunto com as associações do Ministério Público, dos Procuradores e dos Defensores no Rio?
Renata Gil: Procurei Luciano Mattos (presidente da AMPERJ), com quem já conversava – ele também é de Niterói e fizemos um trabalho junto na “Remada Limpa” [evento de coleta de lixo em canoas havaianas na Baía de Guanabara] – e surgiu uma afinidade. Em razão do pacote do governo do Estado, que atingia outras carreiras jurídicas, decidimos conversar com outros presidentes de associações. A Frente Associativa já existia, mas de forma acanhada. Comecei a marcar reuniões e Luciano, que é muito bem articulado, iniciou contatos com deputados. Temos tido ótimos resultados. Nosso trabalho é de interlocução com deputados estaduais, o Rioprevidência, entidades importantes para as carreiras jurídicas e com o Supremo Tribunal Federal. O grupo hoje é exemplo para todo o país. Unidos, somos mais fortes. E as pautas são comuns.
A relação entre os Poderes do país foi crítica em 2016. Muda algo este ano?
Renata Gil: O enfrentamento continua. Enquanto tivermos a Lava-Jato, com essa apuração de crimes por políticos, é natural do processo a personalização do trabalho do Judiciário. Espero que as instituições sejam efetivamente republicanas e entendam que estão acima dos interesses pessoais. Ano passado houve enfrentamento. Notamos que algumas pautas legislativas eram seguidas de acordo com decisões judiciais. Isso indicava uma espécie de revanche, o que me entristece, porque as decisões têm personagens próprios e a ação do Legislativo acaba atingindo um dos Poderes da República. Não deveria ser assim. Luto para que as instituições se mantenham fortes e firmes. Tenho muita preocupação com o futuro do Judiciário. Se a questão da vitaliciedade é enfraquecida – como vem sendo pela quebra da paridade com os aposentados –, criam-se categorias dentro de uma carreira que deveria ser única, una e vitalícia. Quando se criam essas distinções, de fato, acaba-se com a própria estrutura do Judiciário. O Poder não se sobrepõe aos outros, é um pilar do Estado. Se o magistrado se sente aviltado no exercício da sua função, você traz uma instabilidade para esse Poder. Nossa luta é para a manutenção da estabilidade. Não temos outra renda, a única outra possibilidade é a acadêmica. Não posso ter um “bico”, como o policial. Temo que a carreira da magistratura não seja mais interessante para os estudantes de Direito. Na medida em que você não tem mais estabilidade, o jovem prefere o escritório de advocacia.
A magistratura fluminense se uniu nos atos da Toga, em Brasília e em Copacabana, foi a maior delegação no Fonaje e teve grande presença na Audiência Pública das Diretas e na Assembleia Geral. Como avalia a participação associativa no período?
Renata Gil: É o maior legado da minha gestão! O que mais me emociona é ter unido os juízes [se emociona]. É a AMAERJ com que eu sonhava. Com muito esforço, unimos os grupos. Ainda que não tenha conseguido unir todos os grupos, porque há juízes novos, do meio da carreira, do interior e aposentados. Quando no Rio de Janeiro se optou pelo pagamento dos proventos dos aposentados pelo Rioprevidência, houve essa cisão que os afastou um pouco dos magistrados ativos. Meu sonho é que eles retornem para a mesma fonte pagadora. Tento muito juntar todos esses grupos. O 1º Encontro Estadual de Magistrados é muito emblemático desse sentimento de união. Hoje, a Associação é vista como a voz do juiz. Os magistrados têm se aproximado ainda mais da AMAERJ.
A sra. teve reuniões com o presidente do TJ-RJ. Como a AMAERJ vai atuar em relação à Administração do Tribunal?
Renata Gil: A AMAERJ vem com toda a intenção de colaboração. Existem alguns pontos que entendemos que podem ser aprimorados, como os critérios objetivos [para funções]. Quando os critérios são claros, as divergências internas diminuem ou até desaparecem. Busco a união do grupo, pontos de convergência e não de divergência. Quando não há critérios claros, nunca entendemos por que fulano conquistou aquele espaço. Se você sabe que o critério é por antiguidade e conhece a lista, fica satisfeito.
A AMAERJ busca isso. No ano passado, já buscamos alteração das listas de antiguidade, fundamentadas em um critério que entendíamos não ser o correto. Defendemos muito que os critérios sejam cada vez mais objetivos e transparentes. Tive uma reunião com o DEIGE (Departamento de Informações Gerenciais do TJ-RJ) para solicitar que explicite os critérios para acumulação e designação. Se os critérios estão no próprio sistema do tribunal, qualquer juiz pode acessar. A transparência é fundamental. Vi uma receptividade muito grande da Administração quanto à adoção das sugestões da AMAERJ. O diálogo com a nova Administração está muito aberto e franco.
A sra. mudou a forma de comunicação da AMAERJ?
Renata Gil: Essa foi uma meta desde o primeiro dia que assumi. Tanto é que a equipe contratada pela AMAERJ foi entrevistada antes de eu ter assumido, porque entendia que a forma de comunicação é o principal caminho para a legitimidade da AMAERJ. Os juízes precisam entender o trabalho que faço, para que possam avaliar a gestão e participar. Faltava essa transparência, e a comunicação foi fundamental no processo de aproximação e de união dos magistrados.
Qual foi o ponto mais crítico de sua gestão até agora?
Renata Gil: O ponto mais crítico foi o Projeto de Lei 3123 (teto remuneratório). No momento de votação do projeto, os diálogos com os parlamentares eram muito duros, e eu tinha muito medo de uma alteração na estrutura remuneratória dos magistrados, sem que eles tivessem sido preparados. As pessoas têm suas famílias, filhos estudando, financiamento de imóvel, etc. E isso tudo vinha de supetão, para ser aprovado de um dia para o outro, com uma alteração remuneratória muito significativa. Tive muito medo da aprovação sem o diálogo devido. Como estava no início do mandato, ainda não sabia se teria a legitimidade para esse diálogo.
O anúncio de não-pagamento no fim de 2016 também foi muito complicado, sem até uma perspectiva de datas. O cenário ainda era muito nebuloso. Nossa verba não é uma verba de que o Governo do Estado possa dispor. Foi um momento de estresse muito grande porque era necessário que o Executivo compreendesse a natureza constitucional da remuneração do Judiciário, inclusive dos inativos. Tivemos a participação muito intensa dos magistrados, com sugestões para a recuperação do Estado e para que fizéssemos valer o nosso repasse constitucional. A AMAERJ foi um celeiro muito produtivo de ideias, e os juízes se sentiram integrantes desse processo de construção da solução para crise.
E o melhor momento?
Renata Gil: Houve dois grandes momentos. O primeiro foi o ato da toga, quando mais de 200 magistrados com suas capas, de forma consciente, vieram lutar pela independência do Poder Judiciário. Esse grande movimento será eterno. O outro momento muito importante foi quando debatemos, internamente, as eleições diretas. Trouxemos o relator do projeto, deputado João Campos (PRB-GO), e tivemos a participação muito expressiva dos magistrados, inclusive do interior. Foi incrível a ampla liberdade de discussão que tivemos, dentro do próprio Tribunal de Justiça, para uma matéria tão sensível.
Como foi feita a gestão orçamentária da AMAERJ?
Renata Gil: Encontrei o caixa da AMAERJ deficitário e estabeleci algumas metas para que pudéssemos, ao longo de dois anos, não só recuperar orçamento, mas também investir. Criamos salas de reuniões com bastante conforto para os associados. Hoje, tudo é muito programado, as contas são aprovadas pelo Conselho Deliberativo, que é absolutamente independente e se reúne sem nenhuma participação da presidência ou da diretoria. Temos duas Sedes, a Campestre e a Praiana, que têm um custo muito alto. Enxugamos o quadro de funcionários e o qualificamos. Muitos consertos foram providenciados e os espaços foram otimizados. De forma histórica, temos as duas Sedes completamente lotadas para o Carnaval. Criamos um espaço de convivência na sede administrativa, que não existia. Fazemos eventos para os juízes e para crianças, e convênios com lojas que os magistrados costumam usar. Estamos sempre procurando serviços de qualidades.
A AMAERJ promoveu e apoiou eventos sociais como Remada Limpa, Som+EU, almoço do Apadrinhar e festa de Natal para 75 crianças carentes em Vargem Grande. Qual é a importância da Associação estar presente nessas ações sociais?
Renata Gil: Os projetos sociais são nossa integração com a sociedade, fundamentais. O Judiciário ainda precisa ser mais bem compreendido pela sociedade. É um trabalho que não é de um dia para o outro, mas acredito que temos conseguido essa aproximação. Inúmeras pessoas me abordam para falar que o “Remada Limpa” é sensacional. Quando um juiz e um promotor recolhem lixo na Baía de Guanabara, esse exemplo é muito forte. Mostrar o trabalho dos juízes é fundamental. Muitos juízes fazem além do seu trabalho, temos iniciativas sensacionais. A AMAERJ, como vitrine, pode mostrar isso para que a sociedade compreenda a importância e a relevância do Judiciário. O Rio de Janeiro é um celeiro de grandes ideias, o juiz fluminense têm uma sensibilidade muito grande com as questões que afetam a sociedade.
Em que medida o Prêmio AMAERJ Patrícia Acioli se encaixa nisso?
Renata Gil: A importância fundamental é não deixar com que a sociedade se esqueça desse atentado grave contra a magistratura. Hoje, é um prêmio de excelência, uma joia rara! Trouxemos para a magistratura situações altamente inovadoras. O prêmio é coberto por grandes emissoras de televisão e jornais impressos, com conteúdo humanista, que transforme a sociedade.
Como é ser a primeira mulher a frente da AMAERJ?
Renata Gil: Não sei bem o que isso significa. Penso como ser humano. Mas, sem dúvida, é muito representativo porque ainda vivemos em uma sociedade absolutamente misógina. Se eu puder ser um símbolo de que as mulheres merecem respeito, são capazes e têm total habilidade para exercer qualquer função em uma empresa pública ou privada, isso me deixará muito orgulhosa.
Como o Judiciário pode ajudar o Estado a sair da crise atual?
Renata Gil: Temos auxiliado de diversas maneiras, apresentando argumentos jurídicos para as saídas que o Estado encontra para a crise. A Justiça teve de intervir em muitas práticas administrativas em razão da má-gestão do Estado, como nas isenções fiscais. O Judiciário aponta quais são as saídas legais e constitucionais. Nosso principal foco é defender a sociedade como um todo.
De que forma a AMAERJ defende seus associados hoje?
Renata Gil: De forma incondicional. Temos uma assessoria jurídica muito firme e posições que não são em favor de um magistrado em detrimento de outro. Não podemos mais só pensar em apagar incêndios, temos que construir caminhos firmes e legítimos, que protejam a instituição, e não um ou outro personagem.
Qual é o seu objetivo para o segundo ano de mandato que começa agora?
Renata Gil: O principal objetivo é manter o bom diálogo com o Parlamento. Será um ano duro, por conta das condenações da Lava-Jato. Internamente, buscaremos aproximar ainda mais os juízes porque o Rio de Janeiro enfrenta uma crise sem precedentes. Estou muito atenta a todas as regras internas do Tribunal de Justiça, aos atos executivos e resoluções, para melhoramos a qualidade da prestação jurisdicional.