* Siro Darlan
Em nome de Deus, muitas guerras ‘santas’ fraticidas foram declaradas, e em nome da Justiça tenebrosas injustiças são praticadas. Assim como Deus é a Luz do Mundo, a Justiça deve ser o farol de segurança do respeito às regras de convivência humana traçadas pela Constituição, escrita como garantia do equilíbrio entre os desiguais e o respeito às diferenças. Precisamos estar atentos para os movimentos que estão se proliferando de perseguição a determinados magistrados, colegas de primeiro grau, em razão de seus posicionamentos judiciais, pessoais, filosóficos ou doutrinários.
A independência do juiz é de natureza jurídico-administrativa, fazendo parte da relação com o Estado. Assim como as demais garantias da magistratura, está inserida num amplo contexto, que corresponde à independência do Judiciário e à imparcialidade do magistrado. Couture afirma que “da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. O direito valerá o que valham os juízes como homens. No dia em que os juízes têm medo, nenhum cidadão pode dormir tranquilo.”
Ora, não há dúvida de que essa garantia vem sendo solapada por campanhas de desvalorização dos profissionais da Justiça, através de parcela de uma mídia comprometida na prestação de serviços a setores poderosos e de políticos interessados na impunidade e no enfraquecimento do Judiciário. As campanhas acabam gerando juízes covardes e acanhados, com medo de um necessário ativismo judicial, onde através de decisões corajosas e independentes reflitam a verdadeira independência do Judiciário, e não uma subserviência aos mais poderosos midiática e economicamente.
Mas quando essa pressão ocorre dentro da própria Casa de Justiça, o fato é de uma gravidade ainda maior, porque é necessário identificar a que interesses essa ação deletéria está a servir, além de se estar dando um tiro no pé e armando adversários com argumentos insuperáveis. Desmandos administrativos, comportamentos não éticos ou condutas negligentes com os deveres constitucionais e funcionais devem sempre ser corrigidos; mas a perseguição sub-reptícia, a ameaça de procedimentos punitivos ou a própria instauração de processos tão somente em razão de decisões proferidas ou de opiniões acadêmicas refogem inteiramente dos próprios princípios republicanos que fundamentam a Constituição.
A independência do juiz é condição basilar para a garantia dos direitos fundamentais e não podemos deixar que esta ou aquela administração se valha de seu mandato temporário e fugaz para solapar através de um terrorismo administrativo os próprios pilares do Estado Democrático de Direito.
* Siro Darlan Oliveira, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é membro da Associação Juízes para a Democracia. – sdarlan@tjrj.jus.br
Fonte: O Dia