Precisamos estar atentos para os movimentos que estão proliferando de perseguição a determinados magistrados, colegas de primeiro grau, em razão de seus posicionamentos judiciais, pessoais, filosóficos ou doutrinários.
Na década de 80 quatro magistrados foram submetidos a julgamentos secretos, e após expedientes indignos da Justiça tiveram suprimidos os meios mínimos de defesa e acabaram condenados pelo simples fato de haverem contrariado interesses economicamente poderosos, acabaram condenados à perda do cargo. Posteriormente, as Cortes superiores corrigiram essa aberração persecutória, mas aí as forças do mal já haviam atingido seus objetivos.
A independência do juiz é de natureza jurídico-administrativa, fazendo parte da relação do juiz com o Estado. Assim como as demais garantias da magistratura, está inserida num amplo contexto, que corresponde à independência do Poder Judiciário e à imparcialidade do magistrado. Eduardo Couture afirma que da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. O direito valerá, em um país e em um momento determinado, o que valham os juízes como homens. No dia em que os juízes têm medo, nenhum cidadão pode dormir tranquilo.
A independência do juiz, primeiro, é uma garantia do próprio Estado de Direito, pelo qual se deu ao Poder Judiciário a atribuição de dizer o direito, direito este que será fixado por normas jurídicas elaboradas pelo Poder Legislativo, com inserção, ao longo dos anos, de valores sociais e humanos, incorporados ao direito pela noção de princípios jurídicos.
A independência do juiz, para dizer o direito, é estabelecida pela própria ordem jurídica como forma de garantir ao cidadão que o Estado de Direito será respeitado e usado como defesa contra todo o tipo de usurpação. Neste sentido, a independência do juiz é, igualmente, garante do regime democrático. Importante, ademais, destacar que na questão da independência dos juízes tratou-se mesmo de uma conquista da cidadania, pois nem sempre foi a independência um atributo do ato de julgar.
Ora, não há dúvida de que essa garantia vem sendo solapada por de campanhas de desvalorização dos profissionais da Justiça, através de parcela de uma mídia comprometida na prestação de serviços a setores poderosos e de políticos interessados na impunidade e no enfraquecimento do Judiciário. Campanhas com essa finalidade acabam gerando juízes medrosos, covardes e acanhados, com medo de um necessário ativismo judicial, onde através de decisões corajosas e independentes reflitam a verdadeira independência do Poder Judiciário e não uma subserviência aos mais poderosos midiática e economicamente.
Mas quando essa pressão ocorre dentro da própria Casa de Justiça, o fato é de uma gravidade ainda maior porque é necessário identificar a que interesses essa ação deletéria está a servir, além de se estar dando um tiro no pé e armando os adversários com argumentos insuperáveis. É preciso que a sociedade esteja atenta e acompanhe de perto e com interesse na proteção da magistratura como um todo.
Desmandos administrativos, comportamentos não éticos ou condutas negligentes com os deveres constitucionais e funcionais devem sempre ser corrigidos, seja no âmbito do Controle Interno, seja através do próprio Controle Social; mas a perseguição sub-reptícia, a ameaça de procedimentos punitivos ou a própria instauração de processos tão somente em razão de decisões proferidas no âmbito do processo judicial ou em razão de opiniões acadêmicas refogem inteiramente dos próprios princípios republicanos que fundamentam a Constituição da Repblica.
A independência do juiz é condição basilar para a garantia dos direitos fundamentais, e não podemos deixar que esta ou aquela administração se valha de seu mandato temporário e fugaz para solapar através de um terrorismo administrativo os próprios pilares do Estado Democrático de Direito.
*Siro Darlan Oliveira, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é membro da Associação Juízes para a democracia. – sdarlan@tjrj.jus.br
Fonte: Jornal do Brasil