*O Globo
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) do Ministério da Justiça, em suas diretrizes básicas, determina que haja um agente penitenciário para cada cinco presos. Nos presídios do Rio, essa proporção está longe da realidade. Atualmente, há um policial penal para cada 12 detentos, isso se todos os 3.570 servidores não tirassem folgas, férias ou licenças e se trabalhassem exclusivamente na guarda dos internos, o que não acontece. Neste número, ainda há aqueles que estão na área administrativa e os cedidos para outros órgãos da administração pública — só para a Assembleia Legislativa são 31. Com uma população carcerária de 43.585 pessoas, dá para entender por que a conta nunca fecha.
A fuga de três detentos de alta periculosidade no fim de semana passado da Penitenciária Lemos Brito, no Complexo de Gericinó, em Bangu, trouxe à tona velhas mazelas do sistema penitenciário fluminense. A média da superlotação é de 49%, sendo que há cadeias que ultrapassam, em muito, esse percentual. São os casos da Cadeia Pública Juíza de Direito Patricia Acioli (187%), do Presídio Tiago Teles de Castro Domingues (165%), ambos em São Gonçalo, e do Instituto Benjamin de Moraes Filho, em Gericinó (145%). Das 45 unidades prisionais, em apenas 16, o limite da capacidade é respeitado.
Poucas fugas
O promotor de Justiça Murilo Bustamante, responsável pelo sistema penitenciário e especialista no assunto, ressalta que, mesmo com o déficit de pessoal, as falhas de monitoramento dos presos e a superlotação, as fugas não são comuns. Num levantamento que fez, desde 2012, só houve um número elevado de fugas (38) em 2013. Em 2020, apenas um preso escapou, enquanto, no ano passado, dois. Na opinião de Bustamante, pelas investigações do caso da semana passada, tudo indica que houve facilitação ou negligência.
— São mais do que justificadas e necessárias as apurações rigorosas de eventual facilitação de fuga, seja para fins de responsabilização penal, disciplinar e por improbidade administrativa, todas devidamente em curso. Mas é preciso reconhecer a realidade prisional e avaliar os caminhos que queremos seguir. Temos uma população carcerária incompatível com a capacidade instalada — avalia Bustamante, ressaltando que, em 2019, o sistema tinha 50 mil presos.
Dados de agosto de 2022, repassados pela Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) em reuniões mensais com o Ministério Público, mostram que o efetivo de policiais penais ideal seria de 5.322, ou seja, existiria hoje um déficit de 1.752 profissionais. A Seap é responsável por 45 presídios (sendo quatro femininos), quatro patronatos, três hospitais, um instituto de perícia, um sanatório penal e uma unidade materno-infantil.
Segundo o promotor, a carência de novas vagas e a deterioração avançada das unidades existentes demonstram a necessidade de se construir novos presídios. Mas Bustamante critica os projetos “reconhecidamente inviáveis”, citando o conjunto penal vertical (de prédios), divulgado no início da gestão do ex-governador Wilson Witzel. A solução também passa, diz o especialista, pela reposição de pessoal por meio de concursos públicos.
— Temos números insuficientes de policiais penais e de profissionais da área técnica — ressalta o promotor. — É preciso que os órgãos do sistema de Justiça admitam a realidade, que se reflete na insegurança pública e social, para que de fato sejam adotados mecanismos de redução da população carcerária, avaliando alternativas legais disponíveis e viabilizando medidas de regularização — diz, ressaltando que a responsabilidade pelas melhorias do sistema não é exclusiva do Poder Executivo.
Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização Carcerária, o desembargador Mauro Martins afirma que a superpopulação existe em quase todo o país:
— Este é um problema muito complexo e não é exclusividade do Estado do Rio. Se consultarmos o Banco Nacional de Medidas Penais, a informação é que há cerca de 800 mil presos. Mas acreditamos que sejam entre 650 mil e 700 mil. Não tem como proporcionar um cumprimento de medida mínimo com esse número elevado de custodiados. É necessário que mutirões nas varas de execução penal, para que as pessoas com direito a mudança para um regime mais favorável possam ser contempladas.
Mais penas alternativas
O desembargador destaca a importância das audiências de custódia, em que um magistrado decide logo após a prisão se o acusado deve entrar no sistema ou responder em liberdade.
— Só deve ir para o sistema prisional quem oferece risco à sociedade nos casos de crimes de grave ameaça e contra a vida. Aí sim, deve-se segregar a pessoa. Em outras situações, é importante que o juiz utilize outras medidas alternativas como a prisão domiciliar e o uso de tornozeleira eletrônica. A prática do encarceramento não tem trazido benefícios à segurança pública, pelo contrário. Na verdade, quando se prende alguém que pratica um crime, eventualmente, de menor potencial ofensivo, essa pessoa não está associada a nenhuma organização criminosa. A partir do momento em que ela ingressa numa unidade, acaba sendo aliciada. Então, o estado acaba fornecendo mão de obra para as organizações criminosas — explica Martins.
Do total de 43.585, chama a atenção que quase a metade seja de presos provisórios (17.359), enquanto 15.931 estão em regime fechado; 9.633, em semiaberto; e 176 em aberto. Os demais estão acautelados em unidades de saúde.
Ao ser questionada sobre a falta de efetivo e a superlotação, a Seap informou por nota que “trabalha incessantemente para ampliar o efetivo, tendo honrado com a convocação de todos os aprovados nos concursos de 2003, 2006 e 2012”. Além disso, acrescentou que chamou mais 300 aprovados, “conforme definido por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) estabelecido entre o governo do estado, a Seap e a Procuradoria-Geral do Estado”.