* Siro Darlan
Jovem de classe média tem sua vida ceifada, e sua morte causa grande comoção e justa revolta. Por que a morte ficou tão banal na Cidade Maravilhosa? Instalou-se no estado uma política de (in)segurança que prioriza a morte para depois investigar. Foram criados estímulos aos policiais que mais prendessem e recompensa financeira para os que mais matassem. Os policiais foram autorizados a matar na busca de uma pseudossegurança.
Jornalistas, a serviço da fobia aos pobres, apostaram nas medidas extremas de aumento das penas, na redução da responsabilidade penal e na exclusão dos pobres aos ambientes das classes sociais mais favorecidas. A polícia foi autorizada a prender sem flagrante e impedir o direito de ir e vir aos mais pobres, que têm cerceados seus direitos ao lazer por simples determinação da polícia.
Morrem os Amarildos, as Marias, os favelados e operários, que logo são taxados de “traficantes e marginais” como forma de “justificar” a pena de morte aplicada sem o devido processo legal. Há evidente contradição entre a Constituição, que garante os direitos de cidadania, e a suspensão da normalidade constitucional democrática, que impede que jovens revoltados com as injustiças que testemunham ocupem as ruas para protestar, porque logo são criminalizados e presos sob acusações diversas.
Está claro que precisamos refletir que essa espiral de violência iniciada pelo aparato estatal, que deveria ser o primeiro a dar o exemplo de respeito às leis, não pode continuar. É justa a repulsa às mortes de policiais e de jovens de classe média, mas devemos sentir a mesma repulsa perante um número muito superior de mortes de inocentes como resultado dessa guerra suja, onde só os pobres são presos e ocupam as modernas senzalas penitenciárias.
No momento em que o grito por liberdade de expressão é o pano de fundo para justificar o ceifar de vidas, é bom lembrar que tão importante liberdade encontra-se sob controle de famílias oligárquicas e pelo grande capital que direciona, segundo seus interesses, o uso de tão importante e democrático direito. O uso dessa máquina de ‘fazer cabeças’ tem levado alguns cronistas a pregar a segregação e o apartheid social dos mais pobres, impedindo-os de frequentar praias. Evidente que essa é mais uma forma de acirrar a raiva de jovens da periferia que, insultados dessa forma, reagirão de maneira imprevisível.
Siro Darlan é desembargador do TJ e coordenador da Associação Juízes para a Democracia
Fonte: O Dia