O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Luis Felipe Salomão escreveu, em artigo publicado nesta terça-feira (9) em O Globo, que a disseminação das “fake news” será um grande desafio nas eleições deste ano. Salomão é ministro substituto do TSE (Tribunal Superior Eleitoral. “Qualquer atitude só será mesmo eficiente se a ação for rápida e também se atacar as vantagens financeiras de criar notícias falsas.”
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Leia a íntegra do artigo:
Notícias falsas e eleições
Interesses estratégicos estão vinculados às possibilidades, tecnologicamente facilitadas, de ‘tornar comum’ o conteúdo veiculado
O dicionário em inglês da editora britânica Collins elege todo ano, tradicionalmente, a nova palavra mais significativa do período, e em 2017 foi o termo fake news ou “notícias falsas”. Em tradução livre, o prestigioso dicionário o conceituou como: “falso, muitas vezes sensacional, informação disseminada sob o disfarce de notícias.”
O conceito de pós-verdade se espalhou consideravelmente no contexto do referendo do Brexit no Reino Unido e nas eleições presidenciais nos EUA, sendo certo que o significado do prefixo pós se aproxima mais de como “pertencer a uma época em que o conceito específico, verdadeiro, tornou-se sem importância ou irrelevante”.
A disseminação de notícias falsas não é novidade. Robert Darnton, historiador e professor emérito da Universidade Harvard, em entrevista a um grande jornal brasileiro, esclareceu que “…o principal difusor de fake news, ou ‘semi fake news’ (porque as notícias continham um pouquinho de verdade), foi Pietro Aretino (1492-1556), um grande jornalista e aventureiro do início do século XVI. Em 1522, quando sua carreira começou, ele escrevia poemas curtos, sonetos, e os grudava na estátua de um personagem chamado Pasquino, perto da Piazza Navona, em Roma. Ele difamava a cada dia um dos cardeais candidatos a virar Papa. Esses poemas ficaram conhecidos como ‘pasquinadas’. Eram notícias falsas em forma de poesia atacando figuras públicas, fizeram grande sucesso, e Aretino os usou para chantagear pessoas, Papas, figuras do Império Romano, que lhe pagavam pra que ele não publicasse essa espécie de tuíte ancestral”.
No Brasil, houve o caso do brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, representando a elite daquele tempo, enfrentando Getulio, do PTB, o “pai dos pobres”. Em discurso, Eduardo Gomes disse que não precisava dos “votos dessa malta” para se eleger presidente. Ele queria se referir aos companheiros mais próximos de Getulio. No dicionário, malta é sinônimo de bando ou grupo de pessoas de condição inferior. Acontece que malta também é sinônimo da comida que trabalhadores rurais levam em marmitas para se alimentar na roça. Espertamente, os getulistas aproveitaram-se disso e passaram a espalhar que Eduardo Gomes “é bonito e é solteiro, mas não quer voto de marmiteiro”. No caso, imputava-se falsamente ao Brigadeiro o preconceito contra os pobres trabalhadores que comiam na marmita. Deu resultado: o brigadeiro naufragou, e Getulio venceu a eleição.
Importante esclarecer que, quando se invoca o termo em seu sentido atual, não se fala de opiniões ou interpretações, mas de relatos de fatos. É a disseminação, via internet, redes sociais ou qualquer outro meio, de informações falsas e de teor sensacionalista.
Em sociedades baseadas na troca de informações e na comunicação sustentada por tecnologias de ponta, que se autorreplicam e formatam todos os setores da vida econômica, política, na educação e cultura, os interesses estratégicos estão vinculados às possibilidades, tecnologicamente facilitadas, de “tornar comum” o conteúdo veiculado, ou seja, difundi-lo a um universo amplo de pessoas, num movimento que cria oportunidades para o vulgar, falso e sensacionalista.
De fato, pesquisa do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo mostra que cada vez mais brasileiros de grandes centros urbanos usam redes sociais como fonte de notícias: eram 47% em 2013, índice que saltou para 72% em 2016.
Segundo estudo do site BuzzFeed, as 20 notícias falsas sobre a eleição americana com maior engajamento no Facebook, nos três meses que antecederam à votação, geraram mais acessos (8,7 milhões) que as 20 notícias reais com mais reações publicadas por grandes veículos (7,3 milhões).
Temas como a propaganda eleitoral na internet e nas redes sociais, responsabilidade solidária dos provedores, remoção de conteúdo e indicação de URL, requisição de dados e registros eletrônicos, sobretudo quando envolvem as notícias falsas, estarão na ordem do dia no próximo pleito eleitoral.
Então, para o presidente da Associação Nacional de Jornais, Marcelo Rech, a primeira forma de combate às fake news, à era da pós-verdade, é a produção, por jornalistas, de conteúdo profundo, denso, ultraespecializado e de alta credibilidade, distribuído em qualquer formato e a qualquer momento, mas sempre com seu certificado de origem para atestar que a reportagem e suas informações “não fazem parte de uma fábrica de ilusão”.
Além do mais, penso que qualquer atitude só será mesmo eficiente se a ação for rápida e também se atacar as vantagens financeiras de criar notícias falsas.
Estes são os desafios que a sociedade brasileira não se furtará a debater e encontrar os melhores caminhos, especialmente em ano de eleições.
Luis Felipe Salomão é ministro do Superior Tribunal de Justiça