Notícias | 23 de junho de 2015 07:33

Sacrifício de animais em rituais religiosos – da antiguidade aos dias atuais

Gilberto Pinheiro 

Estamos no início do terceiro milênio. Com ele, vem a reboque uma série de desafios, contingências da vida que se tornaram hábitos, muitas vezes, nocivos e que precisam ser superados com bom senso e muita prudência.  Mudança de hábitos e paradigmas que estão assentados há séculos ou, talvez, milênios, exige muito esforço à luz da educação, com palestras em escolas, universidades e publicação de artigos, buscando a mudança de valores, na construção de uma sociedade melhor e, por sua vez, mais harmoniosa.

Com estas palavras iniciais, ensejo destacar a prática nociva de rituais religiosos com sacrifícios de vidas.  Na antiguidade eram vidas  humanas ceifadas em favor de deuses ou espíritos – atualmente, são vidas de animais que são oferecidas em imolação a Orixás.  Na verdade, um contrassenso, pois Orixá é luz e não aceita sofrimento e, muito menos, sangue animal. 

No início dos tempos, principalmente, no contexto religioso, oferendas com seres humanos e animais eram comuns em homenagem a deuses, divindades, etc.  O  sangue que jorrava simbolizava vida e  energia, oferta em troca de proteção individual. A história da Humanidade  registra diversos acontecimentos como estes, infelizmente.  

Os antigos Astecas, na América Central, praticavam tal brutalidade, oferecendo milhares de vidas em sacrifício à divindade, para ajudar o sol a nascer diariamente e em homenagem ao grande Templo de Tenochtitlán.  Eram mortos em torno de 14 mil seres humanos por ano.

Os Incas que habitaram boa parte da América do Sul, no século XVI, seu verdadeiro auge, praticavam tais tenebrosos sacrifícios, com crianças, guerreiros prisioneiros e animais.   

A Civilização Maia que teve seu esplendor entre os séculos IV e  IX a. C., habitando as grandes florestas tropicais da Guatemala, Honduras e Península de Hucatán, também não fugiam à regra de assassinatos em nome de espíritos ou divindades.    

Também, há registros históricos que no século XXIV a.C., em Ur na Caldéia, havia cultos ao deus Molok, quando crianças eram sacrificadas, ou seja, eram queimadas vivas para aplacar a ira dos deuses. 

Na Eneida de Virgílio (poema épico – século I a.C.) Sinon declara que estava destinado a morrer em sacrifício humano ao deus Poseidon ou Netuno, rei dos mares, para conter a sua ira.  Interessante é a crença em deus cruel, vingativo.  Este atavismo perdurou durante séculos em diversas civilizações de tendências religiosas diferentes.

                                  NO BRASIL – IMOLAÇÃO ANIMAL AOS ORIXÁS

No Brasil a religiosidade de origem africana também aceita rituais com animais em oferendas aos Orixás. Curiosamente a Umbanda Esotérica não pratica tal crueldade, diferentemente de quase todos os terreiros de Candomblé e Quimbanda que praticam tais rituais.

                      AGENOR MENDES, FUNDADOR DO CANDOMBLÉ NO BRASIL, ERA CONTRÁRIO

                                   AO SACRIFÍCIO DE ANIMAIS NESTES RITUAIS

O Candomblé  foi fundado no Brasil por Agenor Mendes, falecido em 2004, aos 92 anos de idade.  Este babalorixá  era literalmente contrário à matança de animais nos rituais candomblecistas.  Costumava dizer que o “sangue” a ser derramado nos rituais deveria ser a seiva da natureza, afinal, os animais têm alma, sentem dor e são nossos irmãos. Este é o verdadeiro Candomblé que cultua irmã Natureza.

A Umbanda Pura ou Esotérica não pratica imolação animal.  Curiosamente, os Orixás da Umbanda e do Candomblé são exatamente os mesmos.  Ora, se na Umbanda estes Orixás não aceitam o sangue animal, por que aceitariam no Candomblé?  Nunca obtive resposta!

                                    TRADIÇÃO E CULTURA – ERRO ABOMINÁVEL 

Os defensores destas práticas perversas afirmam ser “tradição e cultural” e, portanto, não irão abdicar dos mesmos rituais.  Tal afirmativa esbarra em outra incongruência – a escravidão no Brasil também era considerada erradamente como “tradição e teve seu fim.  A  tal propósito, vejam, amigos(as) leitores a aberração na época do Império, quando os negros escravos eram maltratados, vilipendiados em seus direitos à vida, vendidos como mercadorias em praça pública.  Cito texto de um jornal daquela época.  Vejam:  

ATENÇÃO:  Vende-se para o mato uma preta da costa da idade de quarenta e tantos annos muito sadia e bastante robusta. Sabe bem lavar e cozinhar o diário de uma casa (…)  na mesma casa vende-se uma tartaruga verdadeira.

Nota: transcrevi com a forma de escrever daquela época e como fora anunciada. Observem que comparam um ser humano e um animal, colocando-os no mesmo patamar de indiferença da sociedade, como objetos a ser utilizados a bel-prazer.

Fonte de Pesquisa: Gilberto Freyre  O Escravo Nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX                                    

CONCLUINDO:

É inadmissível que nos tempos atuais, quando o conhecimento está ao alcance de todos e o respeito à vida em amplo espectro precisa ser diretriz, algo determinado, através da Educação e leis vigentes no país, colocadas em prática na defesa dos animais. Não podemos mais postergar o que é imperioso nos dias atuais.

Não é possível aceitarmos valores culturais, tradicionais em desrespeito à vida da fauna em nosso país. Não é mais possível, haja vista que a sociedade brasileira, a cada dia que passa, torna-se mais exigente em defesa dos animais e, através de minha experiência através de palestras escolares e recintos universitários, percebo que estudantes ensejam mudanças na proteção da fauna e pelo fim dos maus-tratos e crueldade animal.

O artigo 225 da Constituição Federal confere status de vida à fauna e flora respectivamente e cabe ao Ministério Público denunciar os agressores, pedindo a devida punição.  

Sou amplamente favorável à liberdade religiosa e os agressores e depredadores de templos religiosos são criminosos e merecem ser punidos à luz da lei. 

Todavia, é mister que fique bem claro – matar animais em rituais religiosos também é crime.  Nenhuma tradição subscreve o direito a ceifar vidas; nenhuma religião está acima do direito de viver e deixar viver, mesmo a vida animal.   

O bom senso haverá de prevalecer e se não houver consensualidade ou bom entendimento entre os praticantes de rituais religiosos com sacrifício de animais e os que defendem a vida destes mesmos animais, os ânimos poderão ficar acirrados e temo muito por isso.  Espero, sinceramente, que a paz, o bom entendimento seja selado e que as religiões entendam que neste milênio o saber começa a se manifestar e não é sensato aceitar a morte de animais em nome de Orixás.

Religiões diferentes, sim !  crueldade contra animais, não!

Que haja luz acedendo o amor às manifestações de vida e pelo progresso de todos nós. 

Gilberto Pinheiro é jornalista, palestrante em escolas e universidades sobre a senciência animal, articulista de sites e jornais sobre o referido assunto