Em 2021, uma meta será melhorar as condições de trabalho dos juízes de 1º instância
Por Diego Carvalho, Evelyn Soares, Matheus Salomão e Sergio Torres
Pandemia, feminicídio, defesa de prerrogativas, relações com o Tribunal, melhorias no 1º grau e bom atendimento à sociedade são temas tratados pelo magistrado Felipe Gonçalves nesta entrevista. Presidente da AMAERJ desde 7 de fevereiro de 2020, Gonçalves diz que a nova direção do Tribunal de Justiça do Rio poderá contar com a Associação na meta de fortalecer o Judiciário Estadual.
“A AMAERJ sempre se colocou e se coloca mais uma vez à disposição da administração do TJ-RJ para auxiliar no que for necessário, sobretudo no diálogo cooperativo com os magistrados que compõem os quadros do Tribunal.”
fórum: Neste primeiro ano, quais as principais conquistas da AMAERJ para a classe?
Felipe Gonçalves: Mesmo em um ano tão atípico, a AMAERJ trabalhou ativamente no Rio e em Brasília para preservar as prerrogativas da Magistratura e fortalecer o Judiciário. Criamos grupo de trabalho para analisar, ponto a ponto, a figura do juiz das garantias e debater as mudanças necessárias. Muitos argumentos do grupo foram levados ao ministro Luiz Fux em exitosa reunião em 20 de janeiro. Dois dias após o encontro com os então presidentes eleito (Felipe Gonçalves) e interino (Ricardo Alberto) da AMAERJ, Fux suspendeu, por tempo indeterminado, o projeto do juiz das garantias.
Por meio de requerimentos administrativos ao TJ, a AMAERJ assegurou a extensão de gratificação por exercício em Turma Recursal aos juízes Cíveis, Criminais e de Fazenda Pública e aos juízes coordenadores, bem como a restauração da distribuição de processos à segunda instância e da determinação de que o Regime Diferenciado de Atendimento de Urgência ficasse restrito a medidas relativas aos processos físicos, em razão do aumento excessivo de trabalho dos magistrados plantonistas.
A associação agiu para manter as audiências virtuais na pandemia. Figuramos como amicus curiae em Procedimento de Controle Administrativo, em que defendemos a legalidade da audiência virtual perante o Conselho Nacional de Justiça, que, em junho, negou, por unanimidade, pedido da Defensoria Pública de suspender as audiências virtuais e por videoconferência no TJ-RJ.
Conseguimos, em conjunto com a AMB, o estabelecimento de condições especiais de trabalho para magistrados e servidores com deficiência, necessidades especiais ou doença grave ou que tenham filhos ou dependentes nesta condição. Em setembro, o CNJ aprovou a Resolução que trata do tema.
Diversos são os requerimentos formulados pela AMAERJ em favor da classe. Os pedidos podem ser consultados em https://amaerj.org.br/category/requerimentos.
Quanto à defesa de prerrogativas, a associação emitiu em 2020 mais de dez notas públicas em apoio a magistrados e à autonomia do Judiciário. A participação da AMAERJ em comissões e comitês do TJ representa importante atuação em defesa dos magistrados. A associação tem assento e participa ativamente das reuniões em 11 grupos.
fórum: A Magistratura se uniu nas campanhas da AMAERJ, a solidária e a contra a violência no lar.
Gonçalves: Os associados têm papel fundamental nas ações promovidas pela AMAERJ. Foi impressionante a adesão e a mobilização. No que diz respeito às campanhas solidárias, atravessamos seis fases com a Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, a Associação dos Juízes do Trabalho da 1ª Região e o Instituto dos Advogados Brasileiros. Foram arrecadados R$ 142.373,89, empregados na compra de insumos, mantimentos, remédios, materiais de proteção e produtos de higiene pessoal, domiciliar e coletiva. Os donativos foram entregues à rede pública de saúde, populações carentes e projetos indicados por magistrados, como “Panela do Bem”, “Primeira Chance”, “Viaduto Literário”, “Missão Amor que Cura”, Centro Especializado de Atendimento à Mulher Chiquinha Gonzaga e Patrulha Maria da Penha da Polícia Militar.
Quanto às campanhas contra a violência doméstica, a Magistratura fluminense se mostra engajada. A AMAERJ aderiu à Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica, da AMB e do CNJ. Em junho, divulgou o vídeo “Magistrados por Elas”, em que seis magistrados do TJ fazem um alerta aos agressores de mulheres. Nas redes sociais, a AMAERJ publicou fotos de dezenas de juízes e desembargadores com o símbolo da campanha, um X vermelho na palma da mão. O objetivo é incentivar as denúncias a partir do gesto. Após o inescrupuloso e lamentável episódio de feminicídio envolvendo a juíza Viviane Vieira do Amaral, a AMAERJ e a EMERJ lançaram a campanha Magistradas Contra o Feminicídio. Por meio da veiculação nas mídias sociais de fotos e vídeos, magistradas do TJ participam ativamente, incentivando as vítimas de relacionamentos abusivos a se libertarem de vínculos que perpetuam os ciclos de violência contra a mulher.
fórum: O presidente Henrique Figueira manifestou o desejo de visitar os magistrados do interior.
Gonçalves: A ideia é louvável. A AMAERJ, nesta gestão, adotou medida semelhante ao reativar o Conselho de Representantes, pelo qual busca entender, ouvir e auxiliar nas demandas provenientes dos magistrados das diversas regiões do Estado.
Entender as demandas da Magistratura Estadual como um todo é imprescindível ao bom funcionamento da Justiça no Estado. Sabemos as complexidades, quão diferentes são as realidades de cada região. Por isso, a promoção de espaços de debate que contemplem as mais variadas situações fáticas é de suma importância. A AMAERJ sempre se colocou e se coloca mais uma vez à disposição do TJ-RJ para auxiliar no que for necessário, sobretudo no diálogo cooperativo com os magistrados.
fórum: Quais os maiores desafios do Judiciário e da Magistratura em 2021?
Gonçalves: A promoção do efetivo acesso à Justiça continua um desafio. A relação entre a prestação jurisdicional adequada, o tempo e os custos é delicada. O uso de mecanismos tecnológicos na rotina dos tribunais acende a esperança de uma Justiça mais acessível à sociedade. Importante considerar que o remédio não pode se tornar veneno. Em meio à inserção de tecnologias que propiciam maior dinâmica ao Judiciário, o grande desafio da Magistratura consistirá em não se deixar atrair por uma atuação mecânica, buscando manter o viés humanista que nos permite estar integrados às realidades sociais.
fórum: A pandemia impactou a humanidade. Os modos de trabalho se modificaram. Na AMAERJ, o serviço digital domiciliar e o rodízio presencial poderão seguir como prática cotidiana ao fim da crise?
Gonçalves: O teletrabalho e o rodízio vêm sendo adotados na AMAERJ de forma exitosa. Custos foram diminuídos, sem prejuízo à qualidade do trabalho. É provável que esta nova forma de trabalho seja estendida ao pós-pandemia.
fórum: O presidente do TJ disse ser irreversível a manutenção dos serviços digitais ao fim da pandemia.
Gonçalves: O avanço da inserção da tecnologia nas rotinas laborais já era esperado. Com a pandemia, esta realidade foi antecipada. Ao que parece, veio para ficar. Os magistrados fluminenses, como toda a sociedade, tiveram que se adaptar prontamente. E conseguiram. Prova é que, em meio ao isolamento social, o TJ manteve a produtividade. O home office, a digitalização de processos, os atendimentos e audiências de modo remoto contribuíram para que a Justiça não parasse, se mantivesse à disposição da sociedade. Magistrados e servidores mostraram competência e versatilidade em situações difíceis. É com essa capacidade de resiliência que o presidente do TJ e toda a sociedade podem contar. A promoção da justiça é o que nos move.
fórum: O que priorizar no segundo ano de mandato?
Gonçalves: A melhoria das condições de trabalho da 1ª instância. Os juízes precisam de mais um auxiliar de gabinete com gratificação. A maioria dos juízes não conta com o 4º secretário. Ou por falta de funcionários ou porque a ausência de gratificação para este servidor fomenta um ambiente de injustiça no gabinete. O 4º secretário desempenha funções muito parecidas com as realizadas pelos demais, embora receba vencimento inferior. A distorção merece ser resolvida. Outra prioridade é que os juízes de 1ª instância participem da eleição para cargos da alta administração do Tribunal. A disparidade das condições de trabalho entre as instâncias só será resolvida quando juízes tiverem participação democrática em paridade com desembargadores.
fórum: O que planeja a AMAERJ para continuar a promover a união da Magistratura fluminense?
Gonçalves: Até que estejamos todos com a saúde assegurada, a AMAERJ pretende manter os encontros virtuais. Nossas reuniões de diretoria e de conselhos têm sido realizadas em plataformas digitais. Isso tem nos ajudado a estarmos juntos sem estarmos próximos. Esperamos que a situação se estabilize para que possamos dar andamento às atividades presenciais que nos permitem renovar o vínculo associativo.
fórum: Outra marca de 2020 foi a luta contra a violência doméstica, tema que ganhou proporção maior com a morte da juíza Viviane Vieira do Amaral.
Gonçalves: A AMAERJ seguirá com a linha pedagógica de promoção de conscientização social, com o apoio de associados, sociedade civil e instituições de segurança pública. O Departamento de Desenvolvimento de Acompanhamento das Políticas de Atendimento à Mulher e das Varas de Violência Doméstica é atuante na realização de campanhas. É imprescindível que a vítima de violência doméstica se sinta acolhida pelas instituições e segura para denunciar. A culpa nunca é e nunca será da vítima. A postura enérgica diante de brutalidades como a ocorrida com a colega Viviane é característica da AMAERJ. Basta de violência contra as mulheres, não mais toleraremos. Permaneceremos vigilantes e atuantes.
fórum: O sr. criou o Conselho de Aposentados. Como estimular ainda mais a união dos magistrados aposentados aos colegas ativos?
Gonçalves: Fazemos reuniões bimestrais com o Conselho de Aposentados, em que discutimos assuntos de interesses específicos deste grupo e comuns com os ativos. Esperamos o arrefecimento da pandemia para marcarmos o tradicional encontro de magistrados e pretendemos promover um encontro próprio com os aposentados.