Destaques da Home | 30 de março de 2020 09:00

Revista FÓRUM: ‘Nossa missão é garantir a lisura do processo eleitoral’, diz Brandão

O presidente do TRE-RJ posa em seu gabinete | Foto: Evelyn Soares

Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro, desembargador Cláudio Brandão diz que segurança dos magistrados também é prioridade

por EVELYN SOARES E SERGIO TORRES

Magistrado desde 1992, o desembargador Cláudio Brandão de Oliveira assumiu a presidência do TRE-RJ em dezembro. Nesta entrevista à FÓRUM, ele fala sobre a organização das próximas eleições municipais. A segurança de magistrados e servidores durante o processo eleitoral é questão prioritária, informa o presidente, que explica o que vem sendo feito contra a influência ilegal das milícias, das fake news e de lideranças religiosas inescrupulosas sobre o voto do eleitor.

“Que as pessoas votem de forma segura, livres de qualquer tipo de interferências, as mais diversas: econômica, da força bruta, do uso indevido da religião. Que a disputa seja justa. Que o candidato honesto perceba que compensa disputar as eleições dessa forma. E que o candidato desonesto perceba que não vale a pena”, disse o entrevistado, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF).

FÓRUM: Quais os seus planos prioritários à frente do TRE?

CLÁUDIO BRANDÃO: Tradicionalmente as eleições municipais são as mais complicadas. Na eleição municipal, cada zona eleitoral tem sua competência primária. No Estado do Rio, o tribunal tem que organizar as eleições em 92 municípios. Na eleição anterior, foram aproximadamente 22 mil candidatos. Estimamos que se repita essa quantidade este ano. Temos que cuidar do registro de 22 mil candidatos e mobilizar 135 mil pessoas em 4.000 locais de votação com mais de 12 milhões de eleitores. Costumo dizer que somos um órgão público com 1.500 servidores, talvez um pouco menos, com 12 milhões de usuários. É uma desproporção muito grande. Os usuários nos demandam no mesmo dia, o da eleição. E só há um jeito de melhorar a situação: planejar, organizar.

Estamos tendo uma preocupação muito grande em voltar um pouco, ver o que deu certo, o que deu errado nas últimas eleições municipais. Já estamos designando as zonas eleitorais que vão cuidar de propaganda eleitoral, registro de candidatura, prestação de contas. O foco é esse: tentar organizar tudo para os problemas previsíveis. Se conseguirmos nos organizar para o que for previsível, teremos mais tempo para o que não for.

Já estamos dialogando com a AMAERJ, o que é muito importante. Nossa preocupação é dar condição de trabalho boa para os juízes eleitorais e cuidar da segurança deles no processo próximo das eleições. Aqui conversamos muito sobre três focos: cuidar dos usuários dos serviços nossos, dos servidores e dos juízes. Uma das questões que hoje me preocupam –talvez não fosse uma preocupação há 20, 30 anos, mas agora é–, é a questão da segurança dos magistrados e dos servidores que vão trabalhar no dia das eleições. O passo inicial é esse. Tentar organizar.

FÓRUM: Como estão os preparativos do TRE em relação às fake news?

BRANDÃO: Uma forma de combater a desinformação é com informação. Tentar disponibilizar com rapidez a resposta à desinformação. Temos que tentar identificar aqueles que divulgam informações erradas, conscientizar os eleitores, que eles chequem a veracidade dessas informações, e punir aqueles que usam a desinformação para obter uma vantagem indevida na disputa. Tenho falado muito isso: a desonestidade não pode compensar. Hoje a propaganda tem sido feita basicamente pelo WhatsApp, facebook, essas coisas. Não é mais galhardete, cartaz na rua. É um novo ambiente. Ambiente em que a informação circula por essas formas.

O tribunal já tem um grupo tentando se organizar para dar as respostas possíveis diante dessa realidade. A última eleição foi bem emblemática, com esse tipo de informação circulando, muita coisa equivocada. Ela nos ensinou muitas coisas. Não só para nós, para todos: políticos, eleitores. Há uma nova realidade em termos de fiscalização. Existem novas formas de abuso, que têm que ser reprimidas no campo econômico, religioso, de uso da informação. Nossa missão é garantir a lisura do processo eleitoral.

FÓRUM: O sr. citou o campo religioso. Como o TRE combaterá a influência religiosa sobre o eleitor?

BRANDÃO: Tenho deixado bem claro: todas as religiões potencialmente podem ser indevidamente utilizadas no processo eleitoral. Não é uma religião – e a questão não é nem a religião. São alguns líderes religiosos que, de forma indevida, podem fazer isso. Tenho sempre esse cuidado de deixar claro que a questão religiosa, mal utilizada, pode impactar, mas que isso não é direcionado a uma religião específica. Acho que todas as religiões podem, um líder religioso pode, de alguma forma, interferir na lisura do processo. Tivemos caso no TRE de cassação, recente, de diploma de um suplente de deputado estadual por abuso nos meios de comunicação com viés religioso. Foi uma decisão muito importante porque o TRE sinalizou que não vai tolerar esse tipo de abuso. É um abuso. Não há nada contra religiosos ou religiões, mas, em abuso de qualquer tipo, a gente vai interferir.

FÓRUM: E em relação às milícias?

BRANDÃO: Não é papel do TRE exercer função de segurança pública. Combate à milícia é atribuição da polícia. Mas de alguma forma a milícia, como o tráfico, pode tentar interferir no processo eleitoral. A gente tem informações sobre isso. Se acontecer, vamos atuar. E o TRE pode contar com o auxílio de forças policiais. Por força de decisão do STF no ano passado, se algum crime que em tese não seria da nossa competência for praticado dentro do processo eleitoral o TRE pode ser competente para julgamento. Então, especializamos duas zonas eleitorais na parte criminal, estamos capacitando servidores especificamente para atender esta demanda. O TRE está apto a dar resposta efetiva a essa nova competência criminal que recebemos.

A milícia é uma preocupação, a gente está se organizando para monitorar. Certamente, se não conseguirmos impedir esse tipo de influência, vamos tentar evitar que candidatos eleitos com ajuda da milícia tomem posse e exerçam o mandato. Talvez não compense para a milícia essa interferência no processo eleitoral. Muito certamente vão ter problema em razão disso. Talvez alguns até pensem de forma inteligente e resolvam não mexer com eleições. Pois estarão atraindo mais uma fiscalização, mais um tipo de controle. Quem comete o ilícito já está tentando fugir das forças de segurança. Se tentarem interferir no processo eleitoral, será mais um órgão em busca de dados que podem levar à responsabilização deles.

FÓRUM: O sr. falou em garantir a segurança dos magistrados e servidores durante o processo eleitoral. O que está sendo feito?

BRANDÃO: Na eleição municipal o juiz está muito perto dos candidatos. A gente precisa dar suporte aos juízes para que tenham segurança principalmente no dia das eleições e nos dias anteriores. Alguns poderão estar em alguma situação mais de risco, por particularidade dos locais. Aí envolve não só milícia, envolve tráfico. Queremos conversar com os juízes para verificar a necessidade deles quanto à segurança. Servidores também. Nos locais de votação que são um pouco mais perigosos precisamos reforçar policiamento ou, se for o caso, tentar transferir. Vamos mapear isso tudo. São muitos locais.

FÓRUM: O caixa 2, tradicional nas eleições brasileiras, será afetado pelo fim do financiamento privado das campanhas?

BRANDÃO: Há um modelo público de financiamento que certamente não vai inibir o caixa 2. Mas o uso da tecnologia tem barateado o custo das eleições. Este é um fenômeno. Os gastos mais expressivos vinham, antigamente, do material de campanha. Hoje, de certa forma, ficou mais barato. Não sei até que ponto o caixa 2, que era um grande problema, vai ter a mesma magnitude nas eleições municipais. É uma coisa que a gente vai ter que observar, aprender, constatar fazendo. É lógico que vai ter muita gente captando dinheiro. Estamos de olho. Em tese, hoje não existem candidatos. Não há registro. Mas já pode estar havendo captação de recursos para o que chamam de pré-campanha. Não pode ser assim. Isso já sinaliza abuso de poder econômico. Talvez já neste momento, que antecede em muito a formalização do processo eleitoral, existam abusos. Estamos acompanhando. Já foram designados os juízes da fiscalização. Se vai ter campanha em agosto, setembro, por que designar? Para que em cada comarca haja um juiz responsável. Para que ele tenha a oportunidade de monitorar e tomar providências. Ele tem poder de polícia em relação à tentativa de antecipação de campanhas eleitorais. Repito: isso pode caracterizar abuso de poder econômico, com sanções.

FÓRUM: Quais os grandes desafios desta eleição?

BRANDÃO: O primeiro é prestar um bom serviço. Todo mundo aqui é servidor público. Temos a obrigação de atender de forma satisfatória o usuário. No tribunal, 98% dos cargos em comissão foram preenchidos por servidores ocupantes de cargos efetivos. Ou seja, estamos apostando na força de trabalho de quem conhece. É um tribunal pequeno, muito especializado. São as pessoas que têm o conhecimento do processo eleitoral. O foco é esse, que as pessoas votem de forma segura, livres de qualquer tipo de interferências, as mais diversas: econômica, da força bruta, do uso indevido da religião. Que a disputa seja justa. Que o candidato honesto perceba que compensa disputar as eleições dessa forma. E que o candidato desonesto perceba que não vale a pena.