Exposição no Parque Lage agrega naïf e contemporâneo
Por SERGIO TORRES
A naïf é a arte internacionalmente conhecida como da espontaneidade, do instinto, em que o autor, por não ter cursado escolas de belas artes, age de modo autodidata. É a expressão, geralmente pictórica, da pessoa que não passou pelo aprendizado da arte clássica ou popular. Não à toa a palavra naïf significa ingênuo, na língua francesa.
Apresentados os rótulos costumeiros da arte naïf, deixemos claro: seus trabalhos são de qualidade ímpar, seus artistas encantam pelo talento. E o Brasil é um de seus principais polos mundiais.
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No Rio de Janeiro, funcionou por 21 anos o Museu Internacional da Arte Naïf (Mian), com o raro acervo de 6.000 peças de artistas de 120 países, o mais importante do planeta dedicado à chamada arte primitiva. O museu fechou, mas o acervo continua no casarão histórico do Cosme Velho, bairro na Zona Sul carioca.
O motivo do encerramento, em 23 de dezembro de 2016, foi a crise financeira, que dificultou a captação de patrocínios, conforme anunciou à época a diretora Jacqueline Finkelstein, filha do fundador do Mian, o colecionador francês Lucien Finkelstein (1931-2008).
Para não deixar longe do público os trabalhos de qualidade guardados há quase três anos, a Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage abriu em maio a exposição “Arte Naïf – Nenhum museu a menos”, que reúne 325 obras do acervo e trabalhos de 38 artistas contemporâneos, como Nelson Leirner e Barrão.
“É a maior coleção de arte naïf do mundo. A ideia da exposição surgiu da necessidade de mostrarmos a importância da coleção. São obras de artistas geniais, que pouco conhecemos”, relata o economista Fabio Szwarcwald, diretor-presidente da EAV.
Mais do que anunciar a exposição, que é gratuita e se encerra em 7 de julho, a proposta deste texto é informar o leitor sobre a existência de um museu reconhecido internacionalmente e que se encontra vedado à visitação por falta de dinheiro.
A mostra no Parque Laje tem, também, o objetivo de alertar os brasileiros para a situação crítica do Mian e de grande parte dos museus do país – 261 fecharam por falta de verba e problemas de manutenção. A receptividade do público é grande. Em cada fim de semana, cerca de 2.500 pessoas compareceram aos três salões do Parque Laje em que as obras naïf estão expostas.
Para o curador Ulisses Carrilho, a arte naïf não é praticada por artistas primitivos ou ingênuos, como induz a tradução da palavra para o português.
“É certo que essas pessoas não usaram técnicas clássicas, mas soluções próprias. Odoteres Ricardo de Ozias, por exemplo, veio de Minas Gerais, era negro, pastor evangélico. Suas obras nesta exposição são maravilhosas. Mostram festas populares, o cotidiano laboral, práticas religiosas”, afirmou Carrilho.
Szwarcwald acrescenta: “É preciso mostrar às pessoas a potência do acervo. Que elas percebam que um trabalho naïf pode integrar uma coleção contemporânea”.
À frente da EAV desde março de 2017, o diretor-presidente tem enfrentado com sucesso os percalços financeiros do Estado do Rio.
“Conseguimos entrar na Lei Rouanet pela primeira vez, com duas captações que somam R$ 50 milhões, para o plano anual e restauros. Criamos uma escolinha que em 2018 trouxe à EAV 3.000 crianças, das quais 2.000 com gratuidade. A EAV tem 500 alunos por semestre, 50 professores, 45 funcionários. Reativamos o programa de bolsas. É preciso ter projetos sérios, com bons resultados”, disse ele.