Associações se manifestam contra a derrubada dos vetos de Bolsonaro a artigos da Lei de Abuso de Autoridade
Por DIEGO CARVALHO, EVELYN SOARES e SERGIO TORRES
A derrubada pelo Congresso Nacional dos vetos do presidente Jair Bolsonaro à Lei de Abuso de Autoridade indignou a magistratura e mobilizou, mais uma vez, seus líderes associativos. Em votação convocada às pressas, na noite de 24 de setembro, parlamentares recuperaram artigos vetados pelo presidente. Justamente artigos que atingem diretamente a independência dos magistrados.
A reação veio logo na manhã seguinte. Em São Paulo, a presidente da AMAERJ, Renata Gil, promoveu com 60 juízes militares, reunidos no Tribunal de Justiça Militar de São Paulo, o primeiro ato de repúdio ao resultado. Em protesto, os magistrados ficaram de pé na abertura do congresso “Leis Penais Extravagantes”.
Ainda naquela quarta-feira (25 de setembro), Renata Gil, em artigo publicado no site do jornal “O Estado de S. Paulo”, critica a decisão parlamentar. “O objetivo escuso dessa inconstitucional legislação é impedir a atuação independente e firme de todos os magistrados brasileiros no combate à corrupção”, sentenciou.
Em entrevista ao site Consultor Jurídico (ConJur), Renata Gil credita a derrubada dos vetos a “uma absoluta retaliação” à ação da Magistratura contra a corrupção. Segundo ela, a decisão esteve amparada em “questões pessoais” e que “a vida do magistrado brasileiro criminal” será afetada de “forma muito contundente”.
Em nota, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) se pronunciou sobre a votação no Congresso. Assinado pelo presidente Jayme de Oliveira, o documento informa a apresentação ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) a fim de questionar “a constitucionalidade dos artigos que atingem o exercício da função jurisdicional e afrontam a independência judicial”.
Parado desde 2017, o projeto de lei do Abuso de Autoridade (PL 7.596/17) ganhou regime de urgência no plenário da Câmara dos Deputados no início da noite de 14 de agosto. A presidente Renata Gil passara o dia em conversa com parlamentares, buscando alterações no texto da proposta.
O texto já continha mudanças propostas pela AMB, como a retirada do crime de hermenêutica, a fim de que divergências na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configurem, por si só, abuso de autoridade.
A proposta foi levada à votação no fim daquela noite. Aprovado em votação simbólica, o PL seguiu à sanção do presidente Bolsonaro. A partir daí, as associações começaram a trabalhar pelo veto presidencial, por entenderem que a aprovação aconteceu em momento de instabilidade, sem o debate necessário ao aprimoramento do texto.
Para a AMB, o PL enfraqueceria as autoridades empenhadas no combate à corrupção e na defesa dos valores fundamentais, com grave violação à independência do Judiciário. As associações centraram esforços pelo veto na Casa Civil e na Presidência da República. Renata Gil apresentou os pedidos da magistratura em reuniões com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro; o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Antonio de Oliveira Francisco; o líder do governo na Câmara, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO); e Humberto Fernandes de Moura, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil.
As associações nacionais e estaduais da magistratura e das demais carreiras impactadas pelo PL promoveram manifestações em todo o país de 20 a 23 de agosto. Em Brasília, 200 juízes e promotores se reuniram em frente ao Palácio do Planalto, convocados pela Frentas (Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público), com apoio da AMB e das associações.
A AMB pedira ao governo o veto a 13 artigos em que a atividade dos juízes ficaria comprometida. “Ninguém é a favor de abuso de autoridade, claro. Todavia, não podemos, a pretexto de querer punir o abuso, intimidar as carreiras e prejudicar as atividades das autoridades públicas, que poderão não mais conseguir desenvolver seu trabalho com a devida independência e coragem”, afirmou o presidente da AMB.
No Rio, 15 associações participaram do ato público organizado pela Frentas-Rio (Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público do Rio de Janeiro), composta pela AMAERJ, AJUFERJES (Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo), AMATRA-1 (Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região) e AMPERJ (Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro).
Os graves impactos do PL foram destacados por magistrados, integrantes do Ministério Público, delegados, policiais e auditores. O ato reuniu, mesmo sob chuva, 80 representantes das carreiras de Estado prejudicadas pelo projeto. Em discurso, Renata Gil ressaltou que o PL alteraria a estrutura criminal.
“O projeto atinge e fere de morte o processo investigativo criminal e a atuação do juiz criminal. Dentre os artigos do PL, detectamos vários crimes de hermenêutica. O magistrado será punido pelo seu ato de julgar. Esse projeto não atinge só o combate à corrupção, atinge o combate ao crime, impede a atuação do juiz criminal e viola os princípios mais caros da Constituição: a independência funcional e as prerrogativas das carreiras de Estado”, ressaltou.
Após o trabalho de convencimento dos riscos à magistratura, o presidente Bolsonaro, em 5 de setembro, sancionou a Lei do Abuso de Autoridade (13.869/2019) com 19 vetos a 36 pontos do PL. Dos 13 pedidos da AMB, sete foram acolhidos.