AMAERJ | 03 de fevereiro de 2017 14:02

Revista FÓRUM: Judiciário sob ataque

Judiciario sob ataque

POR SÉRGIO TORRES

Parlamento fecha o cerco a magistrados e membros do Ministério Público com sete projetos que ferem a independência funcional

A atuação independente do Judiciário e do Ministério Público tem gerado reações extremadas daqueles que são alvos de processos e investigações. A Operação Lava-Jato é o exemplo mais conhecido e notório. Com o cerco da Justiça Federal em Curitiba e no Rio de Janeiro, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Ministério Público Federal a políticos e parlamentares suspeitos de envolvimento em atos de corrupção, as retaliações se intensificaram.

O objetivo da reação é intimidar e enfraquecer magistrados, procuradores e promotores. Como ponta-de-lança dos ataques ao Judiciário e ao Ministério Público esteve a Lei de Abuso de Autoridade, aprovada na Câmara dos Deputados em uma sessão na calada da noite e que quase chegou a ser votada pelo Senado na primeira metade de dezembro. A lei permitiria a abertura de processos contra juízes pela prática suposta de crimes de abuso de autoridade no exercício profissional. “A votação desse projeto sem uma discussão séria e profunda será um grande retrocesso. Mas temos a expectativa de que o Senado não aceite essa imposição e abra diálogo com a sociedade”, afirmou o presidente da AMB (Associação de Magistrados Brasileiros), Jayme de Oliveira.

O acirramento dos ataques ao Judiciário mereceu pronta-resposta por parte de ministros da mais alta corte brasileira. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, disse com veemência em solenidade no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 5 de dezembro, que, se aprovada pelo Legislativo, a lei que altera os crimes por abuso de autoridade “provocará crise institucional” no
país. Ela chegou a dizer que cabe à Justiça a função de “pacificar” o Brasil. “Ou a democracia ou a guerra”, declarou.

A presidente da AMAERJ e vice-presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Renata Gil, enalteceu o papel da ministra na negociação que culminou no adiamento da votação para 2017. “A ministra Cármen Lúcia foi fundamental nesse processo. De modo republicano, soube acalmar as instituições”, disse, referindo-se à atuação da presidente do STF no episódio em que a corte mais alta do Judiciário brasileiro decidiu pela manutenção do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência do Senado, impedindo-o apenas que venha a ocupar a Presidência da República em uma eventualidade.

De acordo com os entendimentos, dos quais participaram o presidente Michel Temer e os ex-presidentes José Sarney e Fernando Henrique Cardoso – tal a gravidade do ambiente de confrontação entre Judiciário e Legislativo –, a votação do projeto de abuso de autoridade acabou cancelada.

Na semana anterior, Cármen Lúcia já dissera publicamente que o Judiciário é vítima de uma estratégia de cerceamento, que se manifestava, especialmente, pela possibilidade de votação no Legislativo Federal do projeto de lei que estipula punições a magistrados por crimes de abuso de autoridade. Para ela, os juízes devem atuar com tranquilidade e imparcialidade, sem temer punições pelas decisões tomadas no âmbito dos processos.

A crise tornou-se ainda mais aguda com a decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, de destituir Renan da presidência do Senado. Ele acabara de virar réu em ação que tramitava já havia nove anos no Supremo. Com o respaldo da Mesa Diretora do Senado, Renan recusou-se a deixar o cargo, o que provocou reação indignada do ministro Luis Roberto Barroso, também do STF. Dizendo falar em tese, Barroso alertou que deixar de cumprir decisão judicial “é crime de desobediência ou golpe de Estado”.

As tentativas de políticos e parlamentares importantes acossados pela Lava-Jato de intimidar o Judiciário e o Ministério Público têm provocado repúdio em todo o Brasil. Setores importantes da sociedade identificam na ação a estratégia agressiva de depreciar magistrados e membros do MP como forma de minar o protagonismo das instituições empenhadas em cumprir sua missão constitucional.

Em 1º de dezembro, em frente à sede do STF em Brasília, ao menos mil magistrados e representantes do Ministério Público participaram de ato público contra a corrupção e contra a lei do abuso de autoridade. A AMAERJ esteve representada por cerca de 30 juízes e por Renata Gil.

No “Ato público contra a impunidade e a corrupção: Magistratura e Ministério Público em defesa da Justiça”, a presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Norma Cavalcante, definiu o movimento como “uma luta histórica” da população brasileira. “Nossa honra é a hora do povo. Estamos sendo punidos não por nossos erros, mas por nossos acertos”, sentenciou ela. Para Jayme de Oliveira, da AMB, “o Parlamento deve ser a casa do diálogo com a sociedade”. “O texto atual e os substitutivos apresentados são ruins. O momento é péssimo. Melhor é aguardar passar essa fase para que o debate se dê num clima racional. Tipificar crime de hermenêutica é uma violência contra a democracia, pois liquida com a independência judicial”, disse o novo dirigente da AMB.

Em 4 de dezembro, na praia de Copacabana, a mais famosa da zona sul carioca, uma manifestação de magistrados contra a lei do abuso de autoridade recebeu expressivo apoio popular. “A população tem estado ao lado do Judiciário. Os magistrados foram aplaudidos em Copacabana. Isso é fruto do trabalho realizado pela Justiça e de nossa credibilidade”, afirmou a presidente da AMAERJ.

Para Renata Gil, a lei do abuso de poder mascara uma “grave tentativa de intimidação” ao Judiciário e ao Ministério Público. Não é dirigida a magistrados e promotores, mas “à sociedade, que espera ver que as pessoas que atentam contra a República sejam punidas”.

Após o acordo que levou ao adiamento da votação no Senado do projeto que criminalizaria magistrados e promotores por abuso de autoridade, a presidente da AMAERJ identifica a tendência de haver um entendimento melhor entre os Poderes em 2017. “Estou confiante. Passamos um período de estressamento muito aguçado. Os canais se abriram. Os ânimos se acirraram muito quando um Poder usou sua força para enfrentar um outro Poder. Notamos uma incompreensão muito grande, até do sistema da magistratura. Temos feito um trabalho de fortalecimento institucional e de conversa com outras instituições. O diálogo voltou a ser reaberto quando
se acalmaram os ânimos”, disse Renata.

Mas no Senado e na Câmara dos Deputados tramitam sete Projetos de Emenda Constitucional (PECs) e leis específicas que afetam o funcionamento do Judiciário. As medidas atingem prerrogativas da categoria, além de prejudicar a estabilidade financeira dos magistrados, com o propósito subliminar de intimidação e amedrontamento.

A PEC 62/2015 veda a vinculação remuneratória automática entre os subsídios de agentes públicos e os dos ministros do STF. Já a PEC 10/2013 extingue o foro privilegiado para crimes comuns. A PEC que busca limitar os gastos públicos (241/2016) regulamenta o regime disciplinar da magistratura e do Ministério Público. Há ainda a PEC 505/2010, que trata da exclusão da aposentadoria e perda do cargo. Outros tratam do teto remuneratório e de medidas de combate à corrupção, que poderão incluir crimes de responsabilidade
contra juízes, procuradores e promotores.

De acordo com Renata Gil, os ataques ao Judiciário e ao Ministério Público consolidaram-se em reação à Operação Lava-Jato. “A Lava-Jato precipitou isso, ao colocar o Ministério Público e a magistratura nos holofotes. Todas as mágoas e ressentimentos acabaram aparecendo em um momento como este”, observou ela.

Ao final de um 2016 conturbado, com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, governadores, prefeitos, deputados e senadores acuados por suspeitas graves de corrupção e a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal com destaque público nunca antes visto, espera-se um 2017 mais tranquilo, caso a crise na economia seja aliviada.

“A crise econômica continuará, ainda haverá inconformismo. Mas minha expectativa é boa para 2017, até porque o governo tem dado sinais de que quer resolver o problema das contas públicas. A democracia só consegue sobreviver com instituições sólidas e o apoio da população”, afirmou a presidente da AMAERJ.

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