Destaques da Home | 24 de abril de 2018 11:32

Revista FÓRUM: Fernando Viana afasta risco de intervenção e falência na Oi

Foto: Brunno Dantas

Caso é o maior processo de recuperação judicial da América Latina

POR DIEGO CARVALHO e SERGIO TORRES

O juiz Fernando Viana, da 7ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), é responsável pelo maior processo de recuperação judicial da história da América Latina. Ao homologar o plano de recuperação da companhia telefônica Oi, aprovado pela Assembleia Geral de Credores, o magistrado afastou o risco de uma intervenção e até mesmo a falência da empresa, que deve R$ 65 bilhões.

A Oi é uma gigante das comunicações brasileiras. Opera nos 5.570 municípios, com exclusividade em 3.000 deles; é responsável por 20% da telefonia celular nacional; emprega 140 mil profissionais em variadas funções; exerce papel fundamental na contabilização dos votos em urnas eletrônicas em 21 Estados; reúne 55 mil credores.

“É um desafio atuar em um processo tão magnânimo e relevante para o país”, disse ele. Magistrado há 24 anos, ex-defensor público, Viana é homem discreto. Preferiu, na entrevista, falar apenas sobre o caso Oi.

Leia também: Cármen Lúcia pede coragem e ponderação aos juízes
Juízes contra o crime organizado
Elton Leme, defensor da natureza

FÓRUM: Qual a importância da homologação pela 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro do Plano de Recuperação Judicial da companhia telefônica Oi?
FERNANDO VIANA: A homologação do Plano de Recuperação Judicial (PRJ) aprovado na Assembleia Geral de Credores (AGC) é de suma importância para o processo de soerguimento do grupo em crise, pois significa dizer que o plano traçado pela companhia e aprovado pelos credores poderá ser implementado na prática. É um passo fundamental para a plena economia do país. Estiveram presentes à AGC mais de 36 mil credores, por si ou representados por procuradores, e o plano foi aprovado por 100% dos credores das classes I e II, 99,5% da classe III e por 99,8% da classe IV, computando-se o voto por cabeça. Computando-se o voto por valor, o plano foi aprovado por 100% dos credores das classes I e II, por 72,17% da classe III e por 99,7% da classe IV. Ou seja, o plano foi aprovado pela esmagadora maioria dos credores que acredita e confia na recuperação das empresas. A Justiça ratificou a vontade soberana dos credores. Fica descartado, por ora, qualquer ato de intervenção ou mesmo a falência da empresa.

FÓRUM: O sr. declarou, por intermédio de nota divulgada pelo TJ-RJ, que o acordo teria impacto importante na economia do Brasil. Por quê?
FERNANDO VIANA: O impacto na economia com a aprovação e homologação do PRJ das recuperandas decorre do gigantismo do grupo em recuperação. Basta dizer que a companhia gera, anualmente, mais de R$ 10 bilhões em impostos para o governo. Além disso, o Grupo Oi é responsável por 20% da telefonia celular do Brasil; pela operação exclusiva a 3.000 municípios que só possuem a Oi como operadora; pela prestação de serviço em 5.570 municípios brasileiros; pela manutenção de 140 mil empregos; e pela interligação de 2.238 zonas e 12.969 seções eleitorais dos Tribunais Regionais Eleitorais de 21 Estados da Federação, fundamental para a totalização dos resultados das eleições em todo o país. As empresas em recuperação têm mais de 70 milhões de usuários. Assim, por essas peculiaridades, o soerguimento do grupo tem especial relevo no contexto sócio-político-econômico do país.

FÓRUM: Depois da homologação, o sr. ficou mais otimista quanto a uma solução que atenda aos interesses de todas as partes envolvidas neste gigantesco processo?
FERNANDO VIANA: Sem dúvida, com a aprovação do plano em AGC e a homologação pelo Judiciário, um novo cenário se revela para as recuperandas. Mas há ainda muito trabalho pela frente, pois as obrigações previstas no plano têm que ser fielmente cumpridas, todas elas, pelas recuperandas. Mas já há um norte, um caminho traçado a ser seguido. As incertezas antes da aprovação do plano naturalmente se dissipam com a aprovação.

FÓRUM: O caso Oi é extremamente complicado e complexo. O sr. poderia comentar um pouco sobre como reagiu ao examiná-lo inicialmente?
FERNANDO VIANA: Estamos tratando do maior processo de recuperação judicial da América Latina. Os números falam por si só: são 55 mil credores, uma dívida de cerca de R$ 65 bilhões, mais de 27 mil habilitações e divergências apresentadas na fase administrativa; um processo já com quase 300 mil folhas, o que equivaleria a 1.500 volumes se o processo fosse físico; mais de 7 mil processos incidentais de impugnações judiciais apresentadas pelos credores discutindo seus créditos; mais de 34 mil acordos feitos no Brasil e no exterior no programa de mediação instaurado para os pequenos credores; cerca de 1.600 pedidos de individualização de bondholders apresentados ao Juízo.

É um desafio atuar em um processo tão magnânimo e relevante para o país. Contei com minha experiência na seara falimentar, e com a atuação proficiente tanto do Ministério Público como do Administrador Judicial. Para garantir a total transparência do processo, autorizei que a imprensa, nacional e estrangeira, tivesse amplo acesso aos autos. Neste aspecto, ressalto que as Cortes Europeias e Americanas – que inclusive ratificaram as principais decisões proferidas nos autos – puderam acompanhar passo a passo todos os atos praticados no processo. Não é à toa que o Tribunal de Justiça do RJ é um dos mais respeitados do país.

FÓRUM: Vislumbrou logo alguma forma de solução ou os modelos de resolução de conflitos e pendência a serem seguidos na ação foram surgindo à medida que se passavam as fases e os procedimentos processuais?
FERNANDO VIANA: Sempre fui um magistrado entusiasta da conciliação e dos métodos alternativos de solução de conflitos. Minha visão para solução de conflitos sempre foi pacificadora e conciliadora. Em uma recuperação tão grande e com tantos interesses em jogo, tenho incentivado a realização de mediação para tratar dos mais variados temas, o que tem trazido excelentes resultados ao processo. A mediação, por exemplo, realizada com os credores que tinham créditos de até R$ 50 mil permitiu que mais de 34 mil credores, espalhados pelo Brasil e na Europa, pudessem receber seus créditos rapidamente, além de participar da AGC.

FÓRUM: Quais são os próximos capítulos do caso na Justiça e no âmbito empresarial?
FERNANDO VIANA: No âmbito empresarial, as empresas deverão agora cumprir com todas as obrigações previstas no plano de recuperação, obrigações estas que serão fiscalizadas pelo Administrador Judicial, pelo Ministério Público e pelo Juízo. Há também obrigações impostas aos credores para poder receber seus créditos. Além da fiscalização do cumprimento do plano, o Juízo estará focado em solucionar as mais de 7 mil impugnações apresentadas pelos credores – de classes e natureza variadas – que discutem os valores de seus créditos. Graças à firme atuação do Administrador Judicial e do MP, e do apoio do Presidente do Tribunal de Justiça e do Corregedor-Geral de Justiça, o processo vem trilhando com absoluta legalidade, agilidade e transparência.

FÓRUM: A Oi atua como operadora de boa parte das comunicações do governo federal. Também é a responsável pela transmissão de votos nas urnas eletrônicas nas eleições (este ano teremos uma importantíssima). Há segurança quanto ao bom funcionamento dos serviços prestados pela companhia no decorrer deste ano?
FERNANDO VIANA: Não há qualquer indicativo de que o serviço prestado pelas recuperandas tenha caído de qualidade ou nível, sugerindo qualquer risco à segurança das eleições.

FÓRUM: Que ensinamentos esse processo traz para o Direito e o Tribunal de Justiça?
FERNANDO VIANA: O processo de recuperação judicial do Grupo Oi, dada a sua magnitude e complexidade, permitiu que inúmeros temas jurídicos relevantes fossem tratados e discutidos por profissionais de elevada qualidade (advogados altamente capacitados, autarquias públicas, agências reguladoras, bancos públicos, membros do Ministério Público, Procuradorias Estatais, Administrador Judicial, Cortes estrangeiras).

Discutiram-se questões complexas, como a insolvência transnacional; os limites da atuação de administrador judicial nomeado em outro país, onde foi decretada a falência de uma das recuperandas; a participação de credores bondholders e dos trustees; a sujeição de créditos públicos; a possibilidade de se estender a fase administrativa de verificação de créditos; o cabimento da mediação em variadas hipóteses; questões processuais de inadequação da aplicação do CPC (prazos em dias úteis e intimação de advogados); a liquidez do crédito e seus desdobramentos; a necessidade de apresentação de listas de credores segregadas por recuperanda; a possibilidade do acionista, ainda que com uma única ação do Grupo em recuperação, votar na AGC; a suspensão dos direitos políticos dos acionistas; a compatibilização entre a LRF e a lei societária; a disputa societária entre acionistas; a natureza dos créditos concursais e extraconcursais, dentre eles os titularizados por agencias reguladoras.

Essas foram apenas algumas das discussões travadas no processo, e que certamente contribuirão para o aprimoramento do direito recuperacional nacional e internacional.

Veja aqui a íntegra da revista FÓRUM.

Foto: Brunno Dantas