Volta das aulas presenciais, estruturação do ensino a distância e revitalização da biblioteca marcam início da gestão da desembargadora Cristina Gaulia na EMERJ
Por Diego Carvalho, Evelyn soares e Sergio Torres
Segunda mulher a dirigir a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), a desembargadora Cristina Tereza Gaulia vê com otimismo o período de mudança no modelo de ensino na pandemia. “Queremos que a EMERJ seja uma escola paradigma”, diz a diretora-geral no biênio 2021/2022.
A reorganização das aulas presenciais para plataformas de ensino a distância (EaD) foi uma das primeiras medidas. À fórum, a desembargadora adiantou metas: reabrir a Escola no segundo semestre em “modelo híbrido”, com alunos on-line e em salas de aula, e requerer à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) o credenciamento do mestrado profissional.
fórum: Ao ser eleita, a sra. disse que planeja elevar a EMERJ a patamar nacional. O que precisa ser feito para alcançar essa “ousadia”, termo que a sra. empregou?
Cristina Tereza Gaulia: A EMERJ já é uma das três melhores escolas de Magistratura do país. Queremos que seja uma escola paradigma. Esta é a ousadia: que consigamos, no biênio, trabalhar para que nossos cursos se tornem os melhores, mais específicos e sensíveis às necessidades dos magistrados e alunos do curso regular, e que assim nos tornemos um paradigma a ser copiado pelas demais escolas de Magistratura. A EMERJ é escola de formação multiportas. Tem pós-graduação lato sensu em Direito Público e Privado, com tradição de 30 anos. Há agora o Departamento de Ampliação do Conhecimento, que organiza eventos dos fóruns permanentes, cursos de extensão e pós-graduação lato sensu. Oferecemos cursos de formação continuada para magistrados e de iniciação dos novos juízes. Tínhamos cinco núcleos de pesquisa, agora são oito. Seremos escola voltada a pesquisas que interessem ao Judiciário, para que as administrações do Tribunal possam traçar políticas públicas judiciárias mais adequadas e para que ingressemos, de forma definitiva e efetiva, no mundo acadêmico.
fórum: Quais as principais medidas no começo da gestão?
Gaulia: Os cursos de formação de magistrados triplicaram e estão implementados em plataformas EaD. Estamos usando a plataforma Moodle e capacitando magistrados coordenadores a serem tutores junto à Enfam [Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados] para expandir a oferta de cursos. Os alunos do curso regular utilizarão a plataforma, em que farão exercícios, participarão de discussões, poderão conversar com professores em aulas síncronas ou assistir aulas gravadas, minivídeos, palestras dos fóruns permanentes. Dinamizamos o aumento do potencial da plataforma Zoom, o que possibilitou a multiplicidade de cursos de extensão, reuniões em três horários diferentes dos fóruns permanentes e de cursos, lives e webinários. Estamos em processo de digitalização das 2.700 obras raras da Biblioteca Des. José Carlos Barbosa Moreira, cujo acervo é de 180 mil livros. As primeiras obras digitalizadas já constarão do site da EMERJ em julho. Toda a digitalização do acervo, que conta com os Diários Oficiais parte III do Poder Judiciário, com toda a memória de 1925 até 2008, estará virtualizada nos próximos cinco anos. Estão chegando revistas eletrônicas de publicação contínua, com interface gratuita, como o Informativo de Direito da Fundação Getulio Vargas, os Repositórios Científicos de Acesso Aberto de Portugal, a American Library of Congress on-line e a European Library. A revista Direito em Movimento – Um Outro Direito é Possível, nossa publicação científica, busca qualificação no sistema Qualis da Capes. Estamos remodelando a clássica Revista da EMERJ.
fórum: Que impactos a pandemia causou à EMERJ?
Gaulia: 2020 foi de muito aprendizado. No biênio anterior a EMERJ teve bom fluxo das atividades regulares, em momento absolutamente surpreendente para todo o mundo. Após breve período de suspensão das atividades as aulas foram restabelecidas por videoconferências. Embora não tivéssemos feito o concurso de acesso no meio do ano passado, fizemos no fim do ano. Este ano faremos dois concursos, o primeiro em julho. Para melhorar a performance, contratamos a Fundação para o Vestibular da Universidade Paulista. Aprendemos muito com a situação de dificuldade. O que temos em mente no segundo semestre é reabrirmos a Escola em modelo híbrido. Haverá alunos em sala de aula e os que continuarão as aulas online, no modelo síncrono. Com isso, estamos pensando em trazer para a Escola alunos de todo o Brasil. Estamos usando as lições da pandemia e criando um projeto pedagógico moderno e arrojado.
fórum: Como será o sistema híbrido de ensino?
Gaulia: Ao tomar posse criei a Comissão Multidisciplinar de Planejamento Sanitário, Segurança e Saúde. Fizemos pesquisa para saber quantos alunos queriam cursos presenciais e quem queria a reabertura da biblioteca. Uma quantidade expressiva de alunos manifestou-se pelo retorno às aulas presenciais, indicando a necessidade de reabertura da biblioteca. Os professores, em sua maioria, são favoráveis ao retorno presencial. Nosso modelo de volta as aulas é um híbrido facultativo, procurando manter os alunos de fora do Rio e de outros Estados no ensino online. Vamos começar em julho com os CPs IV (A, B e C) e V (B e C) e paulatinamente dinamizando e expandindo, em 16 de agosto, para os CPs V (A) e I (A, B e C) e, em 30 de agosto, para os CPs II (A, B e C) e VI (A, B e C). Reabriremos a EMERJ para essas turmas divididas em grupos de no máximo 15 alunos, com obediência às regras sanitárias. Os que não se sentirem à vontade poderão assistir aulas síncronas de casa. Os professores darão aulas presenciais e síncronas.
fórum: As atividades virtuais se manterão pós-pandemia?
Gaulia: O mundo pós-pandemia será um novo mundo. As atividades acadêmicas e pedagógicas virtuais vieram para ficar. O gasto do dinheiro, antes investido em passagens aéreas, hospedagens e atividades de representação, tanto para trazer professores de fora, como para permitir a participação de magistrados em atividades acadêmicas fora do Rio, será sensivelmente reduzido e investido em novas tecnologias e aplicativos, ferramentas e utilitários de modernização pedagógica que possibilitarão a ampliação do conhecimento e a melhor formação da Magistratura pela reestruturação do projeto pedagógico da EMERJ.
fórum: A tradição de cursos da EMERJ era presencial. Com a pandemia o modelo foi adaptado ao ambiente on-line. Neste mais de um ano, quais resultados a Escola teve? Que melhorias devem acontecer?
Gaulia: As melhorias estão sendo implantadas. Ampliamos as plataformas de cursos online, adquirimos ferramentas e apps pedagógicos de tecnologia de última geração para o ensino a distância e oferecemos treinamento para o uso dos aplicativos pelos magistrados. Se não tivéssemos ampliado e capacitado o Departamento de Tecnologia, teríamos tido uma debacle porque a demanda este ano aumentou enormemente e as determinações da Enfam e do Conselho Nacional de Justiça estão muito mais intensas, específicas e constantes do que nos dois anos passados. O que tivemos em 2020 não é mais a realidade de 2021. Em 2020, no impacto inicial da pandemia, tivemos que aprender sob pressão. Agora os alunos, magistrados do Brasil e de países de língua portuguesa, estão mais exigentes, o que demandou, e continuará demandando, aperfeiçoamento tecnológico contínuo. Os cursos de extensão agora concorrem no mercado da formação jurídica com outras instituições.
fórum: Racismo, homofobia, feminicídio, liberdade de imprensa e Lei de Segurança Nacional são debatidos em lives e cursos da EMERJ. Que outros temas pretende introduzir?
Gaulia: Temas importantes e interessantes aos operadores do Direito, à comunidade jurídica e à sociedade civil vão surgindo conforme implementamos encontros on-line. Novos temas vão eclodindo à medida em que se debatem questões atuais. Mais importante que trazer novos temas é efetivamente assegurar lugar de fala, dar voz às minorias desprestigiadas e que não têm os direitos fundamentais assegurados. A proposta é dar fala a quem não tem, muito mais do que inventar temáticas. A EMERJ está construindo pauta consistente de cultura, convidando intelectuais, fomentando práticas culturais ligadas ao teatro e à literatura, em rodas de conversa, diálogos e debates entre profissionais dos mais diversos ramos. Todas as inovações jurídicas, como as trazidas pelas novas Lei de Licitação, Lei de Proteção de Dados, e Lei de Recuperação Judicial, com debates sobre a importância dos precedentes cíveis no sistema jurídico e da cooperação judiciária, estão sendo tratadas de maneira inovadora.
fórum: A modernização inclui alterações na proposta pedagógica? Quais modificações ainda serão implantadas?
Gaulia: Novas propostas pedagógicas passam pelas diretrizes da Enfam, que tem papel importantíssimo na modernização das Escolas de Magistratura. Um exemplo é a inserção de vídeo sobre assédios no início dos cursos de formação. Como resultado do Fórum de Acessibilidade, estamos intensificando a tradução em Libras [Língua Brasileira de Sinais] em eventos e áudio-descrições, modificações importantíssimas de ampliação do projeto pedagógico para incluir alunos com deficiências.
fórum: Uma meta é implantar o mestrado profissional. Será possível atingi-la até 2023?
Gaulia: A pós-graduação stricto sensu depende que a Capes abra credenciamento, fechado desde o ano passado. Estamos trabalhando os requisitos exigidos pela Capes e pelo Ministério da Educação para possibilitar o credenciamento de nosso mestrado profissional: modernização e digitalização da biblioteca; ativo serviço de fomento à cultura; organização e regulamentação dos núcleos de pesquisa, que começam a produzir e apresentar resultados; elevação da revista Direito em Movimento para melhor qualificação no Qualis; formação de professores doutores para que trabalhem no futuro mestrado profissional dentro dos pressupostos acadêmicos exigidos pela Capes; e construção de uma inter-relação acadêmica com professores doutores de outras instituições, com os quais possamos fazer trocas consistentes de expertises.
fórum: O que os magistrados podem esperar da EMERJ até o fim de sua gestão, em fevereiro de 2023?
Gaulia: Estamos dinamizando os cursos de formação continuada e levando em consideração as necessidades e opiniões de colegas de 1º e 2º graus. Temos fóruns permanentes que tratam de uma multiplicidade de assuntos e são abertos a magistrados, operadores do Direito e sociedade civil. Os cursos de formação de magistrados estão seguindo, de forma muito próxima, o que eles buscam para o aperfeiçoamento profissional. É importante que a Escola propicie treinamento, capacitação, formação continuada aos magistrados de 1º e 2º graus. Dar formação técnica, jurídica e possibilitar formação humanística em filosofia, política, história do Direito, antropologia, sociologia, psicologia, literatura, unindo esta multiplicidade de saberes ao Direito e aperfeiçoando o uso das ferramentas digitais. Esta é a proposta da EMERJ que está sendo construída. A participação dos magistrados nos núcleos de pesquisa abre paleta rica para saber o que Tribunal de Justiça precisa. Isso, a médio prazo, virá em proveito dos magistrados dos diversos campos da judicatura no Estado do Rio.
fórum: Quais outros planos futuros merecem destaque?
Gaulia: No fim do ano iniciaremos o programa Alumni, com ex-alunos da EMERJ do curso regular que são hoje magistrados, promotores, advogados e professores bem-sucedidos. Ele se soma ao projeto social da EMERJ, O Juiz do Futuro. Vamos lançar edital em que alunos das 6ª a 9ª séries dos ensinos fundamental e médio de escolas públicas municipais e estaduais poderão concorrer com redação sobre “Qual é a importância de um Judiciário independente?” ou “Por que eu gostaria de ser juiz/juíza?”. Selecionaremos as melhores redações. Alunos e escolas nos primeiros lugares receberão material de informática para melhorar a técnica pedagógica interna. No Alumni, vamos propor que alunos cotistas, também bolsistas da EMERJ, sejam apadrinhados por ex-alunos da Escola. Esta a ideia do projeto, que pretende incentivar jovens e alunos a ser magistrados. No segundo semestre começaremos a apresentar resultados das parcerias com o Fórum Nacional de Juizados Especiais, a Columbia University e o Instituto Jurídico Brasil-Alemanha.