Magistrados falam no país africano sobre a atuação brasileira no combate à lavagem de dinheiro
Por DIEGO CARVALHO E SERGIO TORRES
A corrupção é um dos muitos e graves problemas que afetam o cotidiano de Angola, país de língua portuguesa localizado na costa ocidental da África. Na tentativa de intensificar e qualificar as ações governamentais, a Procuradoria Geral da República (PGR) de Angola recebeu, em dezembro passado, um grupo de magistrados, procuradores e promotores brasileiros.
Além da participação em conferência, seminário e palestras dedicados às ações anticorrupção, brasileiros e angolanos trocaram informações sobre estratégias de combate à corrupção e aos crimes financeiros, especialmente a lavagem de dinheiro.
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Entre os brasileiros presentes estiveram o juiz federal Marcelo Bretas, responsável pela Operação Lava-Jato no Estado do Rio de Janeiro, e a magistrada fluminense Renata Gil, presidente da AMAERJ e vice-presidente Institucional da AMB.
Na ocasião, Renata Gil foi entrevistada pela Televisão Pública de Angola, após participar, na capital Luanda, do evento Corrupção – Um Combate de Todos para Todos, promovido pela Procuradoria-Geral da República local. Ela falou sobre o cenário atual da Justiça angolana.
“Angola já tem um sistema legislativo bastante inovador, eu tenho acompanhado. Na última vez em que estive aqui, em 2012, o país não possuía esse arcabouço legislativo. Hoje, existem as leis, e Angola já subscreveu todos os tratados internacionais importantes nessa matéria”, disse a magistrada brasileira.
Para desenvolver o combate institucional à corrupção, Renata Gil sugeriu que a Justiça de Angola determine “medidas constritivas, como o congelamento de bens”, e foque “no trabalho de efetividade da legislação”, além de ter “coragem, usar a caneta e providenciar que esses recursos sejam revertidos de novo para a sociedade angolana”.
A magistrada participou da conferência Corrupção, com Bretas, titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio. Renata Gil fechou o painel Cooperação Jurídica Internacional-Aspectos Práticos, moderado pela subprocuradora-geral da República de Angola, Eduarda Rodrigues Neto. Bretas proferiu a palestra anterior, sobre Recuperação de Ativos-Aspectos Práticos. O promotor Renne do Ó Souza, de Mato Grosso, abordou o tema O Controle Preventivo como Fator Dissuasor da Corrupção. Também participaram os procuradores da República Eduardo El Hage (responsável pela força-tarefa da Lava-Jato no Rio), Carlos Aguiar e Leonardo Cuña de Souza, palestrantes no Seminário de Capacitação no Combate aos Crimes de Corrupção e Branqueamento de Capitais.
Durante o evento, a PGR lançou o Plano Estratégico de Prevenção e Combate à Corrupção, em parceria com os Ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos e do Interior, com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
O procurador-geral da República, Hélder Pitta-Grós, disse que em 2018 “o combate à corrupção, impunidade e nepotismo foram o nosso principal foco”. O Plano Estratégico terá a duração de cinco anos. De acordo com o projeto das autoridades angolanas, o Plano norteará as ações do país no combate à corrupção, com ênfase em prevenção, combate, recuperação de ativos e capacitação institucional.
A PGR realizou, ainda, conferência com especialistas brasileiros sobre corrupção e lavagem de dinheiro e seminário de capacitação para juízes, procuradores, inspetores e técnicos da Unidade de Informação Financeira (UIF). Foram debatidos temas como meios de dissuadir a prática da corrupção, recuperação de ativos e cooperação jurídica internacional.
A Direção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção (DNPCC) da PGR abriu em Angola, no ano passado, cerca de 80 processos relacionados a atos de corrupção, lavagem de dinheiro e demais crimes econômico-financeiros. Após a análise, os processos seguem à apreciação da Direção Nacional de Prevenção e Ação Penal (DNPAC) da PGR.
A lavagem de dinheiro (branqueamento de capitais, nomenclatura empregada em Angola) lidera os crimes mais frequentes, seguido de peculato. Foram 43 registros de branqueamento, contra 24 de peculato, o segundo crime mais registrado. A equipe da DNPCC é formada por seis magistrados e seis técnicos, quantidade que os profissionais da PGR consideram insuficiente para um trabalho eficaz de combate à corrupção.
Pelos cálculos da Procuradoria, para a realização de todas as ações estratégicas até 2022 serão necessários cerca de 8 milhões de kwanzas (23 milhões de euros), quantia que ainda não foi liberada integralmente pelo Ministério das Finanças angolano.
O coordenador residente das Nações Unidas em Angola, Paolo Balladelli, diz que estimativas da ONU indicam que as perdas causadas pela corrupção mundial são de US$ 2,6 trilhões por ano, o que equivale a 5% do PIB somado de todas as nações. De acordo com dados do Banco Mundial, só em subornos perdem-se mais de US$ 1 trilhão por ano.
Um exemplo concreto da prática de corrupção em Angola foi conhecido em setembro passado, quando a Justiça determinou a prisão de José Filomeno dos Santos, o Zenu, ex-chefe do Fundo Soberano do país. Ele é acusado de ter desviado US$ 1,5 bilhão do Fundo. Zenu é filho de José Eduardo dos Santos, presidente de Angola por quase 40 anos, de 1979-2017.