A presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, escreveu, em artigo publicado nesta quinta-feira (18) pelo jornal Correio Braziliense, que “o mandato obtido nas urnas não confere às deputadas e aos deputados federais carta branca para incitarem a violência contra outras autoridades ou para inspirarem movimentos de golpe contra o regime democrático”.
Presidente da AMAERJ de 2016 a 2019, a magistrada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) referia-se à prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada inicialmente pelo ministro Alexandre de Moraes e referendada, de maneira unânime, pelos dez colegas do Supremo Tribunal Federal (STF). A autora do texto não cita o nome do parlamentar, mas comenta o caso em que ele está envolvido.
Silveira, aliado do presidente Jair Bolsonaro, foi preso por ofender os ministros do STF e defender atitudes inconstitucionais, em pronunciamentos nas redes sociais.
“Democracia sempre!”, diz o título do texto de Renata Gil.
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Leia o artigo a seguir.
Democracia sempre!
Renata Gil
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
Uma das primeiras imagens de 2021 será a de um grupo de extremistas invadindo o Congresso dos Estados Unidos após um discurso inflamado do então presidente Donald Trump. Tristemente, o caso terminou com prisões, depredação do patrimônio e também na morte de alguns amotinados e agentes de segurança. O que aconteceu, infelizmente, não pode ser desfeito. Mas os fatos passados, ao menos, nos ajudam a entender melhor os processos históricos e dão a oportunidade de não incorrer em erros já cometidos.
Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) demonstrou que as instituições brasileiras estão atentas aos processos sociais e fazem valer o rigor da lei mesmo em tempos conturbados. É justamente nesses momentos que as instituições e a solidez do regime democrático são colocadas à prova. A resposta do STF foi positiva ao demonstrar que o Brasil vive um regime democrático baseado em princípios republicanos e que essas palavras não existem apenas no papel. Elas tomam contorno de realidade para impedir que a democracia seja usada como disfarce por aqueles que pretendem, justamente, destruí-la.
Coube ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, a primeira decisão que levou à prisão o deputado federal que ameaçou o STF e a integridade física de alguns dos ministros em vídeo disseminado nas redes sociais. Em seguida, por unanimidade, o plenário do Tribunal ratificou os fundamentos e a conclusão de Moraes. Na decisão, o ministro afirmou que “a prática das referidas condutas criminosas atenta diretamente contra a ordem constitucional e o Estado Democrático” e, assim, estavam presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP), sem a possibilidade de fiança, como previsto no artigo 324 também do CPP, que não permite fiança “quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva”.
O STF, que em casos anteriores já havia deixado claro que a liberdade de expressão não abrange o cometimento de crimes como a injúria racial, agora também esclareceu que o mandato obtido nas urnas não confere às deputadas e aos deputados federais carta branca para incitarem a violência contra outras autoridades ou para inspirarem movimentos de golpe contra o regime democrático. A Constituição deixa expresso, em seu artigo 1º, que o Brasil tem base no Estado Democrático de Direito organizado como uma República Federativa, formada pela união indissolúvel dos estados e municípios e do Distrito Federal. Atentar contra a democracia e a federação, portanto, é crime.
Entre seus diversos méritos, a Constituição de 1988 (que está em vigor até hoje e assim deve permanecer, pelo bem do país) descreveu com precisão os modelos e os valores adotados pelo Brasil para tecer sua organização política, elaborar suas políticas públicas e resolver os problemas do Brasil, sejam eles quais forem. Além de marcar a transição entre a ditadura militar e a redemocratização, a Carta Cidadã (nome pelo qual também ficou conhecida) introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o sistema de direitos e garantias, pela primeira vez, como cláusula pétrea — ou seja, que não pode ser modificado a não ser por uma nova assembleia constituinte.
A partir da retomada democrática, a nova ordem constitucional brasileira proveu ao país os instrumentos legais modernos que eram necessários para superar antigas legislações que não mais faziam sentido e também para afastar de vez os atos autoritários que cassaram liberdades como a de ir e vir, de se expressar e de poder formar grupos e partidos políticos.
Graças ao regime democrático, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário podem se incumbir de discutir o dia a dia do Brasil, das empresas e dos cidadãos, e adotar as medidas necessárias para manter o país em dia com as mudanças sociais, econômicas e políticas. A classe política pode debater e propor suas ideias, expor divergências e, assim, participar da vida pública do país. Os magistrados, por sua vez, devem julgar os casos com base apenas na lei e em sua consciência e não podem ser perseguidos em decorrência de seu exercício profissional.
Nenhum regime, no entanto, é perfeito. O passivo de séculos de exploração e de atraso do Brasil não pode ser resolvido em pouco mais de três décadas de regime democrático. Os processos de transformação e adequação do país são longos e podem ser muito demorados. Só existe solução efetiva para eles, porém, dentro dos limites da lei.