* Luiz Márcio Pereira
Desde a explosão do escândalo do mensalão há, aproximadamente, dez anos, o cenário legislativo do Brasil tem sido marcado pela edição de diversas “minirreformas eleitorais”. Tais alterações provocaram movimentos moralizadores como, por exemplo, a edição da lei 11.300/06, que proibiu a distribuição de brindes, a contratação de showmícios e determinou o fim da veiculação de propaganda eleitoral em viadutos, postes e passarelas, para o barateamento das campanhas. Outro instrumento legal relevante decorreu da Lei Complementar 135 (Lei da Ficha Limpa), que regulamentou, em 2010, o artigo 14, parágrafo nono, da Constituição Federal, vedando que pessoas com vida pregressa inadequada e envolvidas com a prática de atos ilícitos se apresentem como candidatos a cargos eletivos.
Por outro lado, em momentos de menor tensão política, as mudanças efetivadas reduziram o rigor das normas vigentes, como se verificou com a lei 12.034/09, que autorizou propagandas “móveis” nas ruas, bem como estipulou o prazo de apenas 15 dias, contados da diplomação dos eleitos, para propositura de representações por captação e gastos ilícitos de recursos nas campanhas (artigo 30-A, da lei 9.504/97). É importante salientar que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral admitia, antes dessa alteração, todo o período do mandato como prazo, ou seja, quatro anos.
Recentemente, respondendo ao clamor decorrente das manifestações populares, mais uma vez, apresentou-se a “reforma política” como um dos instrumentos para dar fim à corrupção que envergonha e destrói o Estado brasileiro. Nessa perspectiva, entram de novo na pauta da política nacional as discussões para a criação do financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais, a fixação de cláusula de barreira, bem como a possível substituição do sistema proporcional pelo voto em lista fechada, ou pelo modelo distrital, a criminalização do financiamento de campanha eleitoral com recursos oriundos de “caixa 2”, entre outras propostas.
No entanto, mesmo que tais mudanças acabem sendo aprovadas, de fato, não surtirão o efeito prático esperado pela população, sem que haja significativa restruturação dos mecanismos de controle do processo político-eleitoral, por meio do aparelhamento técnico da Justiça Eleitoral, do Ministério Público e da Polícia Federal, o que não vem sendo sequer discutido. Como é do conhecimento geral, os citados órgãos de fiscalização trabalham com gravíssimas restrições orçamentárias e de pessoal especializado, situação que acaba facilitando a impunidade e o abuso de poder econômico e político nas eleições em todos os níveis.
Além disso, é fundamental, para a efetiva moralização da vida política nacional, urgente e radical mudança nas convicções e métodos de significativa parte dos agentes políticos. A grande maioria adota, como regra, o lema de que os fins justificam os meios na disputa pelo voto, chegando a declarar, publicamente, sem qualquer constrangimento, que podem “fazer o diabo em campanha, no mandato, não” (conforme reportagem na página 6 do GLOBO de 5 de março de 2013), comportamento que não será alterado, exclusivamente, pela aprovação da “reforma política”. Condutas como campanha antecipada, uso da máquina administrativa, propaganda de governo como propaganda eleitoral, caixa 2, compra de votos, assistencialismo político, entre outras, continuarão sendo praticadas, comprometendo a legitimidade do processo eleitoral no Brasil, exatamente como vem acontecendo nos últimos tempos.
Luiz Márcio Pereira é juiz
Fonte: O Globo