* Desembargador Peterson Barroso Simão
Ideias surgem, umas ficam e outras não. Despediram-se aquelas em que falta a esperança, como por exemplo, não precisariam existir a primeira classe dos aviões comerciais e os espaços “vips” dos eventos públicos, pois a desigualdade quando é gritante afronta. Mas, outras permaneceram, fixadas e recorrentes, como esta: QUERO SER JUIZ.
Amar a Magistratura de Carreira é uma felicidade para mim como vem ocorrendo na 24ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça, onde fui recebido com muito carinho por todos, adaptando-me aos julgamentos referentes à relação consumerista.
Contudo, amar ainda mais a Magistratura de primeiro grau, é uma verdade bastante verdadeira e muito saudosa.
Fiz concurso para ser Juiz de Direito, que é aquele profissional que examina as provas no calor das emoções das partes e demais profissionais e população. Aquele que, em audiência, percebe na sutileza e nos detalhes de um gesto ou atitude, a intenção e a boa-fé ou má- fé das partes, que vai além do exame frio dos documentos acostados. Que primeiramente diz o direito e faz Justiça, dando a cada um o que lhe pertence em decisões solitárias no entardecer ou de manhã, ou então, na grandeza da função jurisdicional ao vivo perante todos, resume a magnitude do trabalho no primeiro grau.
A experiência, aliada à sensibilidade, no difícil ofício do julgador, o conduz à serena e justa pesagem dos fatos para o exato equacionamento da lei na solução dos conflitos, sempre a envolver a exaltação e malquerenças que são demonstradas. Encaixe perfeito seria a frase de CAMÕES: “Não se aprende, Senhor, na fantasia, sonhando, imaginando ou estudando: senão vendo, tratando e pelejando”,
Ou como diria o admirável INGENIEROS na sua obra O HOMEM MEDÍOCRE: “A vida vale pelo uso que dela fazemos, pelas obras que realizamos.”
E nada mais gratificante a quantos tem o encargo de semear a boa justiça respirando o ar da população. Em outra oportunidade, referindo-se àqueles que primeiro julgam as causas, disse o Ministro CORDEIRO GUERRA que: “Julgar, por certo, não é um atributo divino, é um ato humano, que exige um claro entendimento, um reto proceder, acendrado amor ao trabalho, elevado respeito às leis
e seguro senso de justiça”.
Menos “vinculado” aos entendimentos jurisprudenciais ou ao Colegiado, e mais livre para decidir de acordo com o caso concreto vivenciado e palpado.
ELIEZER ROSA, que foi modelo de magistrado, na sua A VOZ DA TOGA lembra que nada há de fácil neste trabalho de julgar. Todas as atividades no lidar do magistrado tem o seu “quê” de doloroso e dramático, destacadamente, nas “ Varas de Família e Criminais”.
Quando Juiz, sempre mantive o mesmo convencimento, mesmo depois da sentença reformada, embora cumprida a determinação superior. Hoje, dói anular ou modificar uma decisão de cada um que tem a mesma responsabilidade e a mesma finalidade de fazer Justiça, sendo possível que ambos estejam certos.
E, agora, sou Desembargador com saudade de ser Juiz.
Em tempos de profundas mudanças institucionais, poderia haver um estudo para que um dia, quem sabe, o Desembargador que assim quisesse, poderia atuar em primeiro grau novamente, abrindo mão das prerrogativas referentes ao respectivo cargo. Seria uma opção que traz vantagens e desvantagens. Certamente, haveria a possibilidade de retornar ao segundo grau após um período, sem necessidade de nova promoção. O contrário já existe, que é o Juiz Desembargador Substituto.
O importante seria fazer com mais e “muito alegria” (Montaigne) o cumprimento dos atos jurisdicionais. Pessoalmente, seria melhor retornar à entrância especial ou a uma comarca do interior. Morar a cinco minutos do trabalho, ficar em contato permanente com o Povo, Profissionais do Direito e, decidir o litígio em seu nascedouro… um entusiasmo espetacular.
Seguindo este diapasão de ideias, penso no Desembargador-Juiz ou no Juiz-Desembargador, ou no simplesmente Juiz atuando novamente em primeiro grau já tendo conhecido a honrosa altura do segundo grau. Ver suas decisões confirmadas ou reformadas por outros Desembargadores seria uma compreensão lógica.
Enfim, a maior força da alma do magistrado encontra-se em primeiro grau para o qual fez o concurso, e menos no Colegiado. Permitam-me pensar assim. E se perguntarem a razão pela qual não recusei promoção, antecipo-me para dizer que gostaria sim de ser Desembargador, mas vejo a verdadeira Magistratura no primeiro grau, o que me conduziria a voltar a atuar, se houvesse uma luz jurídica e legal a definir esta situação.
O melhor presente que poderia ganhar o magistrado em final de carreira não seria exercer outras atividades funcionais ou colocar o pijama, e sim ser juiz novamente. Coincidência, o alpinista ao atingir o pico da montanha só sente realizada a conquista quando desce. Também, o marinheiro que ama o mar dá um sorriso maior quando pisa em solo firme.
Enquanto isso, continuo seguindo meu rumo com muito orgulho e respeito ao cargo que ocupo, suando a camisa com fé, dando todo meu esforço, como é do meu dever, ao Poder Judiciário, seguindo adiante, feliz.
Esta é uma reflexão que faço no exato momento em que estou só no gabinete, observando a fotografia do meu Pai que não está mais aqui há quatro meses, ou então, está ao meu lado.