Notícias | 24 de junho de 2014 06:57

Processo imperial

*Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho

Com o fim do julgamento da Ação Penal nº470 (Mensalão), vê-se reavivada uma polêmica que até então aparecera com contornos mais suaves, como se versasse sobre questão irrelevante, sem maior apelo político institucional. Trata-se da forma de escolha dos ministros do STF, até então entregue à opção unilateral e praticamente absoluta do presidente da República, participando o Senado com papel coadjuvante na sabatina, até agora de inescapável consagração do ungido pela escolha imperial do presidente.

Diante de críticas da comunidade jurídica e do realismo fantástico da regra, existem em curso no Congresso várias propostas de emenda constitucional, que buscam modificar tal situação, ora trabalhando com a inserção do próprio Congresso no protagonismo da escolha, ora estabelecendo a participação da comunidade jurídica ou de outros segmentos qualificados.

Não se ignora que nos EUA a escolha siga o figurino do presidencialismo imperial que lá, dada a relevância da institucionalidade do Congresso, é menos autocrático do que por aqui, onde o autoritarismo chega a assumir um brilho quase ofuscante da separação de poderes. Parafraseando o mote de Juracy Magalhães e pelas peculiaridades de nosso sistema político, pode-se afirmar, já que o atual modelo de indicação do juiz do STF segue o americano, que nem tudo o que é bom para os EUA é bom para o Brasil.

Países de sistema jurídico e político avançado, como França, Áustria, Alemanha, Espanha e Portugal, adotam indicação compartilhada, muitas vezes com mandato de 9 a 12 anos, escapando das tentações rasteiras do absolutismo.

Uma solução pode sair do receituário nacional: a indicação dos ministros do STJ e do TST parte das próprias Cortes, na formação de suas respectivas composições. A vontade do presidente da República somente se expressa ao fim do processo de escolha, para consagrar um nome. Democratiza-se a indicação, protegendo-a de possível promiscuidade política e imunizando-a contra o vírus do comprometimento institucional, pela participação parlamentar e da comunidade jurídica.

Agora mesmo, com a aposentadoria do presidente do STF, se é certo que a escassez do tempo não permitirá adotar nova forma de escolha, não é menos correto que se dando ela, mais uma vez, pelo processo imperial mais avulta a decrepitude repelente à democracia e à natureza republicana ao tratá-la pelo viés do monopólio.

A relevância das Cortes Supremas nas democracias constitucionais e participativas — com sua função de assegurar a efetividade dos direitos fundamentais e do processo democrático — evidencia que a indicação de seus integrantes deve-se coadunar com os postulados da democracia participativa, dando voz concreta à nação na escolha dos incumbidos de serem os guardiães da integridade da Carta da República. A legitimidade democrática do STF merece a abertura de um debate mais amplo.

 

*Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Fonte: O Globo