*O Globo
Faltando uma semana para que a morte da juíza Patrícia Lourival Acioli, assassinada com dezenas de tiros em Niterói, complete 10 anos, os filhos e o ex-marido da magistrada lutam para que os dois oficiais que estavam por trás da execução sejam expulsos da Polícia Militar. Juntos, levam do estado vencimentos de mais de R$ 50 mil, com o coronel Cláudio Luiz de Oliveira, o mandante do assassinato, ganhando quase R$ 40 mil bruto por mês, e o tenente Daniel Benitez, um dos que atiraram na juíza, recebendo mensalmente R$ 10 mil. Presos, eles ainda estão na corporação e recebem seus vencimentos em dia. O pedido de expulsão de ambos está a passos lentos na PM.
Ao todo, 11 policiais militares foram condenados pelo assassinato de Patricia. Os outros nove agentes, todos praças, foram expulsos.
“Da morte para cá, o Benítez e o Oliveira já receberam mais de R$ 3 milhões do Estado. Eles já receberam mais do que o Estado vai pagar de indenização para a nossa família. Nós continuamos e toda a sociedade continua pagando o salário deles. É um absurdo. A justiça foi feita em parte, porque eles ainda continuam na polícia e recebendo”, critica o advogado Wilson Maciel Chagas Júnior, de 50 anos, ex-companheiro de Acioli.
Na época em que foi assassinada, a juíza era titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, onde foi responsável pela prisão de mais de 60 PMs envolvidos em grupos de extermínio, milícias e outros crimes. Patrícia tinha três filhos, todos menores à época do assassinato.
Hoje, a universitária de direito Ana Clara Acioli Chagas, de 22 anos, uma das filhas da juíza, diz que quer seguir os passos da mãe. Ela critica a benevolência do estado com os assassinos.
“Para mim é um absurdo eles (continuarem) recebendo. Um Estado que deveria proteger está financiando esse povo. É revoltante. Esses criminosos recebem do Estado dinheiro pago por nós. É impotência e uma ideia de revolta”, afirmou Ana Clara.
“A morte da minha mãe foi uma inspiração. É uma luta diária para que possamos mudar esse sistema corrompido. Tentamos lutar contra. A ideologia da minha mãe não acabou. Não se mata ideia. As pessoas acham que matando vão acabar com a ideia. Mas a força continua. Podem matar minha mãe, eu, e quem quer que for. O mal não vai vencer. Vamos lutar. Pode ser que custe a vida de outras pessoas, mas eles não vão vencer”, completou ela.
A estudante de medicina Maria Eduarda Acioli Chagas, de 20 anos, é a filha mais nova da magistrada. Indignada, a jovem — que na manhã desta quarta-feira estava em frente a uma árvore, plantada em 2011 em homenagem à mãe, no bairro de Icaraí, em Niterói — lembra que “o dinheiro do trabalhador está sendo usado para pagar assassino”.
“(É) Ridículo tudo isso. Dá raiva. Eles estão com todos os benefícios ainda. Dá uma sensação de revolta. Isso não acontece só no caso da minha mãe. Olha quantos outros casos que aconteceram depois e os PMs continuam recebendo. Temos que lutar contra isso. O dinheiro do trabalhador financiando isso”, declarou.
A Justiça do Rio aplicou penas duras aos executores da juíza. Cláudio Oliveira e Daniel Benitez foram os que receberam as maiores penas: 36 anos de prisão em regime fechado. Charles Tavares, Alex Ribeiro Pereira e Sammy Quintanilha foram sentenciados a cumprir 25 anos, também em regime fechado.
O cabo Carlos Adílio Maciel dos Santos foi sentenciado a 19 anos e 6 meses de reclusão. Jefferson de Araujo Miranda teve pena estabelecida em 26 anos de reclusão. Jovanis Falcão foi condenado a 25 anos e 6 meses de prisão. Junior Cezar de Medeiros pegou 22 anos e 6 meses de reclusão, e Sérgio Costa Júnior foi condenado a 21 anos em regime fechado. Já Handerson Lents foi condenado a quatro anos e seis meses em regime semiaberto.
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Ao GLOBO, Wilson Maciel Chagas Júnior afirma que “a sensação de impunidade é grande”.
“Se você pegar o salário desses caras nesse período de 10 anos, é um valor absurdo. Os praças foram punidos, mas não houve a punição dos oficiais. Não se justifica uma expulsão demorar tanto. Daqui a pouco eles estarão egressos e na rua novamente. É uma sensação de impunidade. Lutamos há 10 anos e ainda não temos nem a indenização do estado. Já esses dois estão aí”, diz Júnior, que continua:
“Nossa família foi privada de tudo. Mas a deles não. E muito triste. Mesmo após uma sentença, o estado, não sei se por conta da má vontade, não concluiu a expulsão com uma rapidez.”
Sobre a falta de Acioli para os filhos, o advogado afirma que eles tentam seguir:
“A vida continuou e eles conseguiram continuar. Meus filhos estão caminhando. Meu filho está fazendo a magistratura. Eles conseguiram galgar nos estudos. Mas quando chega nesse mês é muito triste. É mais triste ainda saber que a mãe não estará na formatura, numa festa, no Natal, no Dia das Mães. Tudo isso foi nos tirado de uma forma covarde. E não parou. Veio a (vereadora) Marielle (Franco) depois. E virão outros. Esperamos que não. Mas é muito triste que a sociedade não aprendeu com a Patrícia.”