Em entrevista postada neste fim de semana no portal Consultor Jurídico (ConJur), o presidente eleito da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), juiz Frederico Mendes Junior, afirma que as condições de trabalho dos magistrados não são as ideais e que existe uma grave defasagem salarial.
Para Mendes Junior, juiz do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), em razão dos problemas que identificou, há “uma evasão muito grande de magistrados”. O que não ocorria há cerca de 15 anos.
O magistrado será empossado na próxima segunda-feira (12). A presidente da AMAERJ, juíza Eunice Haddad, será vice-presidente Legislativa da nova gestão da AMB.
Para saber mais sobre as opiniões de Mendes Junior, leia a entrevista a seguir.
ConJur — Quais são, na sua opinião, os principais problemas enfrentados pela magistratura brasileira atualmente?
Frederico Mendes Júnior — A magistratura brasileira é muito grande e reúne diferenças institucionais e de estrutura de trabalho. Há magistrados que têm uma assessoria razoável e outros que têm uma assessoria completamente insuficiente. Temos edifícios em boas condições de trabalho e outros em situação extremamente crítica, sem segurança alguma para o magistrado.
Além de todas essas diferenças regionais, em razão da condição financeira, econômica, de cada um dos estados brasileiros, temos, por exemplo, uma divisão muito grande entre aposentados. Há pelo menos quatro ou cinco categorias diferentes de aposentados, e isso evidentemente provoca dificuldades, parte da magistratura se sente desmotivada.
O debate que precisamos ter na sociedade brasileira é sobre qual magistratura o Brasil quer. Acredito que a melhor é aquela magistratura que consiga reunir as melhores cabeças, os melhores quadros, com a melhor formação jurídica e humanística. Mas, para isso, a magistratura tem de ter atrativos, que são boas condições de trabalho, boas condições de aposentadoria e remuneração compatível com o cargo ocupado, com a importância do cargo e com a importância das decisões que são tomadas no dia a dia.
Esse é um debate que vai ter de ocorrer no país, porque cada vez que se fala em criação de uma nova estrutura para a magistratura, em reestruturação da carreira da magistratura, sempre há oposição, as pessoas reclamam dizendo que isso é um indevido privilégio, que estaríamos criando mais um benefício para pessoas que já têm uma boa estrutura de trabalho, mas isso não corresponde à realidade. Em termos de evolução salarial, nos últimos 15 anos a magistratura ficou entre as últimas carreiras públicas.
ConJur — O senhor acredita, então, que o atual cenário da magistratura não é atraente para as melhores cabeças do Direito brasileiro?
Frederico Mendes Júnior — A verdade é que temos uma evasão muito grande de magistrados. Muita gente vai embora, coisa que não acontecia há 15 anos. Nós recebíamos muita gente que vinha da advocacia pública, que vinha do Ministério Público, de outras carreiras jurídicas. Hoje, isso se torna a cada dia mais raro, e vemos o movimento no sentido inverso, de pessoas deixando a magistratura para realizar outras funções públicas, ou mesmo indo para a iniciativa privada. Há magistrados com 20 anos na magistratura que pedem demissão para trabalhar na iniciativa privada.
ConJur — Como o senhor deseja que a sua gestão no comando da AMB seja lembrada? Quais serão as suas prioridades?
Frederico Mendes Júnior — Uma associação de classe só faz algum sentido se ela é capaz de ouvir, de sentir o que o seu associado quer, e transformar tudo o que ouviu, tudo o que sentiu, em ações concretas. Hoje a magistratura tem uma grande preocupação com as suas questões corporativas, mas isso não quer dizer que podemos abandonar os programas de caráter social desenvolvidos pela associação. Nós seguimos com todos os projetos já em desenvolvimento pela AMB, que são importantes, mas nós queremos mostrar também ao magistrado brasileiro que há essa preocupação com a carreira da magistratura, com a falta de estrutura material e de segurança para muitos magistrados.
ConJur — A ‘lava jato’ arranhou a imagem da magistratura brasileira?
Frederico Mendes Júnior — Sobre a “lava jato”, é a História que vai dizer até onde ela foi boa, até onde foi ruim, é a História que vai avaliar se houve erros, se houve excessos, ou se a maior parte foi de acertos. Talvez ainda seja cedo para tirar conclusões e formar uma opinião definitiva sobre algo que é tão recente na vida da sociedade brasileira.
O que as associações de magistrados sempre defenderam, e vão seguir defendendo, é que a internet, por exemplo, não é o lugar para discutir e debater decisão judicial, e que recurso administrativo não é o lugar apropriado para discutir decisão judicial. Então, o que se pode esperar da associação é que nós nunca realizaremos nenhuma crítica a uma decisão judicial, seja ela do juiz mais moderno, que acabou de entrar na magistratura, ou do ministro mais antigo de um tribunal superior. Porque nós defendemos, e temos plena convicção disso, que há dois caminhos para a decisão judicial: ou se dá cumprimento a ela ou se maneja o recurso previsto em lei, que no Brasil, inclusive, são muitos. A melhor resposta vem da Lei Orgânica Nacional da Magistratura, que é de 1979, e ela veda ao magistrado comentar ou discutir qualquer decisão proferida por outro magistrado.
ConJur — O que o senhor acha da ideia da imposição de uma quarentena para membros de carreiras jurídicas concorrerem a cargos públicos?
Frederico Mendes Júnior — Eu sou a favor de uma quarentena se ela existir para outras profissões também. Por exemplo, policiais. Faça um mapeamento hoje das Assembleias Legislativas e da Câmara dos Deputados e você vai encontrar muitos policiais militares e civis, além dos militares. O que nós não aceitamos é que a magistratura seja tratada de forma diferente, que tenha uma quarentena só para a magistratura, e para todas essas pessoas não. Até porque a nossa realidade diz exatamente o contrário, nós não temos essa facilidade para sermos eleitos, e não existe nenhum magistrado no Parlamento. É possível encontrar muitas pessoas vindas de outras categorias de trabalhadores públicos, mas não magistrados. Nós tínhamos um juiz aposentado, que era o professor Luiz Flávio Gomes, que infelizmente faleceu, e nós tínhamos uma juíza aposentada do Mato Grosso (Selma Arruda, cassada por abuso de poder econômico e caixa dois na campanha de 2018).
ConJur — E qual é a sua opinião sobre ex-magistrados que, ao entrar na política, usam o prestígio do cargo durante a campanha?
Frederico Mendes Júnior — De novo, tem de ser uma proibição para todos. A pessoa não pode ser mais o “Coronel Fulano Deputado”, não pode ser o “Sargento Sicrano Parlamentar Alguma Coisa’, porque nós temos pessoas que ocuparam cargos públicos na condição de governador, na condição de parlamentar, e que se elegeram com esse nome, e aí um juiz aposentado não pode usar “Juiz Fulano de Tal”. Isso tem de ser colocado para todos.
Nós somos contrários a que haja mais uma limitação somente para a magistratura brasileira. E um caso como esse, de aproveitar de alguma forma o prestígio que obteve durante o cargo público para ter um ganho político ou eleitoral, não fica só restrito ao magistrado. Então, se vai fazer isso para o magistrado, tem de fazer também para todos os outros.
ConJur — Como o senhor avalia a suspensão de alguns perfis de magistrados em redes sociais durante a última eleição por compartilharem sua opinião política?
Frederico Mendes Júnior — Em termos de defesa das prerrogativas da magistratura, a primeira obrigação da associação é ser solidária. Se um magistrado é acusado, em decorrência da sua atividade jurisdicional, em razão do seu trabalho, se ele é acusado na imprensa, o primeiro gesto da Associação dos Magistrados do Brasil tem de ser um gesto de solidariedade, de acolhimento a esse magistrado e de ajuda no que for possível para o esclarecimento da verdade. Agora, isso não se confunde com a vida privada do magistrado.
A magistratura, como qualquer outra categoria de trabalhadores, tem uma parte muito pequena, uma parte minúscula, que pode, sim, algum dia praticar alguma conduta que seja inadequada para o cargo. Então é possível pensar, em um plano hipotético, em um magistrado que bebeu e foi dirigir um carro e acabou sendo pego em uma blitz da Lei Seca, ou é possível pensar em um magistrado que teve um desencontro, uma desavença familiar, e isso acabou desbordando para o lado da violência. Como é possível pensar em um magistrado que faz a opção de fazer manifestações que às vezes se caracterizam como político-partidárias, ou manifestações consideradas violadoras do Código de Ética da Magistratura. Todas essas escolhas, essas opções da vida privada do magistrado, são um problema dele como cidadão comum.
ConJur — Na sua opinião, por que existe um descompasso tão grande entre os entendimentos de magistrados de diferentes instâncias sobre a mesma matéria?
Frederico Mendes Júnior — Eu acredito que a diferença não está só em magistrados de diferentes instâncias, não. A diferença está mesmo em magistrados da mesma instância. Uma coisa que a gente nunca pode esquecer é que o dever do magistrado é o de imparcialidade, então não existe magistrado neutro, imparcialidade não se confunde com neutralidade epistemológica. Toda pessoa que passou em um concurso, ou que foi nomeada como magistrado, veio de uma família, morou em um determinado bairro, estudou em uma determinada escola, teve influência de seus tios, primos, vizinhança, foi ao teatro… Todo mundo tem a sua formação cultural e traz essa bagagem consigo quando vai julgar. Um dos grandes desafios que nós temos é fazer a magistratura como um todo dialogar melhor e construir consensos em torno de muitos temas que envolvem o Direito brasileiro.
ConJur — Qual a sua opinião sobre o instituto do juiz de garantias? Ele já deveria ter sido implementado?
Frederico Mendes Júnior — Nessa discussão é preciso separar o plano teórico do plano prático. No plano teórico, você diz: “É uma coisa possível”. Então, é um mecanismo que se está criando para aumentar a imparcialidade do julgador. Há essa discussão em nível acadêmico e ela é absolutamente natural, é completamente válida. Agora, existe a vida prática, existe a comarca a que só se chega de avião e barco, em que o juiz sequer tem assessoria.
Assim, parece-me que a instalação imediata do juiz de garantias vai esbarrar em questões de ordem prática, em questões de ordem orçamentária. Será que os estados têm recursos suficientes para criar toda a estrutura necessária? Será que toda essa estrutura é relevante mesmo para o Estado brasileiro? Porque foi criado esse juiz de garantias, mas não foi feito um estudo sobre o impacto econômico disso no Judiciário.
ConJur — Como a AMB deve atuar nos casos em que o magistrado tem sua integridade física ameaçada por cumprir sua função?
Frederico Mendes Júnior — Na AMB existe uma diretoria que é chamada Diretoria de Segurança de Magistrados. Ela faz o acompanhamento de todos esses casos. Se for necessário, vai até o local onde o magistrado está sofrendo uma ameaça e atua na interlocução com governo estadual, Ministério da Justiça e com a própria administração do Poder Judiciário.
Além disso, há uma discussão permanente dentro da AMB sobre formas de melhorar a segurança dos magistrados. Temos no Brasil um número altíssimo de magistrados ameaçados, e em alguns estados há uma assistência melhor a eles, para resguardar sua integridade física e da sua família, mas em outros nem tanto. E isso exige, sim, muita atenção porque ali se está discutindo a vida do magistrado, do servidor público que representa o Estado e em determinada localidade está sendo vítima de violência por conta da sua função, da sua profissão.
ConJur — Alguns magistrados têm atuado nas redes sociais como coachs, orientado concurseiros e vendendo cursos e mentorias. Qual a sua opinião sobre esse fenômeno?
Frederico Mendes Júnior — A Constituição assegura ao magistrado uma função de magistério, não é isso? Na verdade, é a única autorização prevista para o magistrado. Não está claro qual disciplina pode ser ministrada, se tem de ser em uma instituição de ensino público ou se pode ser em uma instituição de ensino privado. Isso não está expressamente disposto. Hoje há uma parcela pequena da magistratura que está no magistério porque a nossa atividade acaba tomando muito tempo, está todo mundo tomado por essa imensidão de processos, por essa imensa litigiosidade que existe no Brasil, então sobra menos tempo para essa atividade no magistério.
A resolução do CNJ que estabeleceu o que é o coaching, na minha opinião, precisa de revisão porque o conceito ficou muito aberto. Tão aberto que muitas atividades normais de magistério acabam sendo classificadas como coaching. Nas escolas da magistratura, por exemplo, existem disciplinas como Técnica Estrutural de Sentença Cível e de Técnica Estrutural de Sentença Criminal. Essa atividade já chegou a ser discutida como coaching, e é simplesmente uma atividade de magistério como qualquer outra. Acho que é o momento de rever essa resolução do CNJ para uma melhor definição.
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