Notícias | 27 de março de 2013 15:31

Presidente da Amaerj revela livros de sua vida ao ConJur

O presidente da Amaerj, Cláudio dell’Orto, relembrou os livros marcantes de sua vida em depoimento publicado hoje (27) na revista eletrônica Consultor Jurídico. O magistrado revelou, entre outras publicações, sua paixão por Dom Quixote. “Acredito que todos os que abraçam a carreira da Magistratura devem ser verdadeiros ‘quixotes’ e perseverar na busca da Justiça”.

Confira abaixo a íntegra do depoimento:

Meus pais eram professores e minha memória é povoada de livros. Não eram muitos porque o orçamento era curto, mas presença constante, mesmo que para releituras.

Folheei, li e reli uma coleção de estórias infantis da editora Egéria denominada Paraíso Infantil, que além das estórias tradicionais de Pinóquio e Chapeuzinho Vermelho, contava as aventuras do Pequeno Bandeirante, do Pequeno Cangaceiro e do Indiozinho Amazonas e suas viagens pelo Brasil. Esse contato com personagens mais próximos da realidade brasileira despertou-me para valores essenciais da nossa cidadania.

A viagem pela literatura infantil de Monteiro Lobato consolidou o sentimento nacionalista e permitiu uma visão crítica sobre a formação do Brasil. A companhia de Pedrinho, Narizinho, Emília, Visconde de Sabugosa e do Rabicó consumiram-me horas prazerosas que hoje reconheço como fundamentais para o processo de formação humanística e para o sentimento de brasilidade. Destaco O Poço do Visconde, porque mesmo naquele início da década de 1970, apesar do ufanismo militar, ainda era uma arriscada aventura afirmar-se a possibilidade de produção de petróleo no Brasil em escala comercial.

Lição de relatividade

Percorri a ficção científica, com destaque para Júlio Verne. Consumi 20.000 Léguas Submarinas e Viagem ao centro da Terra como quem realmente está empreendendo uma aventura em busca do desconhecido. As narrativas de A volta ao mundo em 80 dias me revelaram que “a medida de um dia” pode fazer grande diferença. Phileas Fogg havia esquecido que ganhara um dia em sua vida ao viajar sempre em direção ao leste. Essa lição da relatividade do conceito de tempo me surpreendeu na adolescência.

O romantismo brasileiro foi uma descoberta estimulada pelos hormônios. Adélia e Alice de O Tronco do Ipê e a aventura de Ceci e Peri de O Guarani, de José de Alencar, continuaram, também, a revelar um pouco mais da brasilidade colonial e aristocrática. A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, me fez conceber uma Ilha de Paquetá que quando conheci nem de longe correspondia ao imaginário romântico. O Cortiço mostrou um Rio de Janeiro que se transformava. O crescimento da cidade, a necessidade de moradia para os que chegavam à busca de reconhecimento na corte, a exploração, o crime e os amores proibidos. Álvares de Azevedo conseguiu capturar toda a plêiade de personagens que transitavam em volta do poder imperial.

A obra de Machado de Assis tem sido lida e relida ao longo da vida. Cada releitura é capaz de revelar nuances despercebidas num primeiro momento, seja porque o leitor mudou ou porque as palavras adquiriram outro sabor, sob a influência de um novo ambiente cultural. Irresistível a “modéstia” de Simão Bacamarte em O Alienista e sua crítica mordaz à “normalidade”. Somente a genialidade de Machado de Assis poderia assegurar a duradoura contemporaneidade de sua obra. Ele examinou o que é imutável no humano. Vale a pena uma visita ao site www.machadodeassis.org.br, mantido pela Academia Brasileira de Letras, verdadeiro lar eletrônico do grande Machado.

Ciência do “dever ser”

Demian e Sidarta, de Herman Hesse, me apresentaram uma nova filosofia e fortaleceram o sentimento humanista e contrário a toda forma de opressão. Na mesma época — final da adolescência — me interessei pela obra do francês Jean-Paul Sartre e seu existencialismo. Nem tanto pela Idade da Razão, mas, certamente, pela acidez da peça teatral O inferno são os outros. Daí em diante, mergulhei em várias correntezas filosóficas procurando entender e justificar principalmente essa ciência do “dever ser” que era o Direito que se ensinava quando iniciei os caminhos do saber jurídico.

Lancei-me durante algum tempo a tentar compreender Tobias Barreto e a grande polêmica sobre sua compreensão da filosofia alemã, em especial da obra de Kant. Concluí que apesar de todas as deficiências apontadas pelos seus críticos, a obra de Tobias Barreto possui um valor extraordinário e sua memória deve ser reverenciada.

Da República, de Platão, a Conceito e validade do Direito, de Robert Alexy, e O Império do Direito, de Ronald Dworkin, são muitos anos de leituras e pesquisas. Uma teoria da Justiça, de John Rawls, também foi uma obra essencial para entender nosso papel como profissionais da Justiça e não do Direito. Impossível deixar de ler Direito e Razão, de Luigi Ferrajoli, para vislumbrar o sistema jurídico-penal como uma rede de garantia para a cidadania. Vigiar e punir, do sociólogo Michel Foucault, foi essencial para a compreensão dos mecanismos de controle social, enquanto A essência da Constituição, de Frederic Lassale, desvendou os mistérios sobre as “forças vivas da nação” que, em muitos casos, são mais poderosas que as próprias Constituições.

Shakespeare e o Direito

Retorno ao mundo da ficção para falar de Gabriel García Marquez, com Cem anos de solidão e O amor nos tempo do cólera, marcos da literatura latino-americana. Obras de recente leitura são Equador, do português Miguel Sousa Tavares, e Crítica da razão criminosa, de Michael Gregório. Adorei, também, Leite derramado, do Chico Buarque, e Se eu fechar os olhos agora, de Edney Silvestre.

Finalizando, lembro a possibilidade de se discutir a vida do magistrado e o Direito na Literatura. Cultivo o hábito de sempre ler o teatro de Shakespeare. É insuperável. O advogado e professor José Roberto de Castro Neves conseguiu extrair dos textos do bardo inglês importantes lições de Direito e publicou Medida por medida — O direito em Shakespeare, um livro que une o prazer do teatro com o debate de institutos jurídicos.

Outra obra notável é A vida não é justa, da juíza Andréa Pachá. O livro reúne histórias recolhidas na jurisdição de família e revela a importância da sensibilidade e da formação humanista para que o magistrado seja capaz de perceber detalhes que formam o verdadeiro conflito que lhe é trazido para solucionar.

Registro, finalmente, minha paixão por Dom Quixote, porque acredito que todos os que abraçam a carreira da Magistratura devem ser verdadeiros “quixotes” e perseverar na busca da Justiça.

Cláudio dell’Orto é desembargador e o presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj).

Fonte: Assessoria de Imprensa da Amaerj