“Não quero pensar no que aconteceu, com ela, senão eu morro. Eu quero saber, e nós temos esse direito, como mães e seres humanos.” Em lágrimas, E. conta sobre o desaparecimento da filha T.L.B, em 2002. Os casos da filha dela e das de R. e A. foram estudados pelo Nupegre (Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia), da EMERJ. O resultado foi lançado nesta quinta-feira (21). A presidente da AMAERJ, Renata Gil, participou da apresentação.
Acesse aqui o estudo. “O nosso Estado do Rio de Janeiro insiste em tratar as pessoas mortas como desaparecidas, em não mobilizar delegacias e instituições responsáveis pela apuração desses graves crimes, deixá-los relegados. Quando a [juíza] Adriana [Mello] contou que trabalha em mais essa frente, disse que quer envolver a AMAERJ nesta causa. Vamos trabalhar como uma força institucional para darmos voz a essas pessoas e criarmos mecanismos, como estamos tentando na violência contra a mulher”, afirmou a presidente.
Renata Gil continuou: “Só agora temos estatísticas, mas precisamos melhorar as DEAMs, as investigações e sensibilizar nossos aparatos de Justiça, defensores, promotores, juízes. Criar uma mobilização estadual, nacional. Estou aqui como braço e elo para essa corrente”.
Emocionada, a juíza Adriana Ramos de Mello abriu o lançamento da pesquisa “O desaparecimento forçado de meninas no Rio de Janeiro: Desafios do Sistema de Justiça”. Ela coordenou o estudo dos casos de desaparecimento de três meninas, raptadas quando tinham 8, 9 e 12 anos de idade em comunidades da capital.
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“O desaparecimento dessas meninas me move há cinco anos. O estudo mostrou que elas foram subtraídas, não se ofereceram voluntariamente. A pesquisa no Nupegre chegou à conclusão que o Judiciário falha. Mostramos isso e damos soluções para melhorar a prestação da Justiça, melhorar o serviço público”, disse ela.
Estiveram presentes na mesa de abertura, além de Renata Gil e Adriana Mello, André Andrade, diretor-geral da EMERJ; o desembargador Caetano Ernesto da Fonseca Costa; e o juiz Sérgio Ribeiro (diretor de Direitos Humanos e Proteção Integral da AMAERJ).
Jovita Belfort, mãe de Priscila Belfort, desaparecida há 15 anos, esteve no evento.
Dor e mudanças
O estudo, apresentado em seguida, foi apresentado na presença de representantes de entidades: Luciano Frota, conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça); Eliane de Lima Pereira, promotora e coordenadora da Assessoria de Direitos Humanos e Minorias do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro); Fábio Amado, defensor público e coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da DPGE-RJ (Defensoria Pública do Rio de Janeiro); Fabiana Bentes, secretária de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro; e Gilberto Fernandes, psicólogo e diretor do Portal Kids.
Os três desaparecimentos foram estudados porque as mães autorizaram – inicialmente, eram 19 casos levantados pelo Portal Kids. As linhas de investigação apontam que as crianças foram vítimas do tráfico internacional de pessoas – para fins de exploração sexual, adoção ilegal, tráfico de órgãos ou trabalho escravo nacional ou internacional. Neles, um ponto comum: o mesmo suspeito, que agia em localidades próximas e mantinha o modus operandi.
Do crime ao tratamento dispensado às mães, que, muitas vezes, nem sequer foram atendidas quando buscavam ajuda ou informações, o Brasil violou diversas convenções internacionais – entre elas a Internacional de Direitos Humanos e de Belém do Pará. “Tem violações do início ao fim dos processos. O dossiê mostra as falhas e apresenta propostas de melhoria”, explicou Adriana Mello.
Duas das três mães fizeram depoimentos comovidos. Elas falaram da luta para sobreviver na incerteza do que aconteceu com as filhas.
“Não sabemos o que aconteceu com elas, não dormimos, sem saber o que aconteceu com elas. (…) Somos o suporte uma das outras. Nossa luta é diária. (…) Nós precisamos da ajuda de vocês, senão ninguém vai nos escutar. Temos que ter alguém maior para defender essa causa, que não queremos que nenhuma família passe. É uma dor sem igual. Não saber, não encontrar corpo para poder enterrar seu filho, não saber nada, é ter uma interrogação na sua vida”, contou E., em depoimento que levou o auditório às lágrimas.
Ao fim do evento, o juiz Sérgio Ribeiro – participante do Foninj (Fórum Nacional da Infância e da Juventude) e presidente do Cevij, do TJ-RJ (Coordenadoria Judiciária de Articulação das Varas da Infância e de Juventude e Idoso) – informou que criará um grupo de trabalho na Cevij para atuar na causa dos desaparecidos.