Notícias | 26 de março de 2014 07:00

O Judiciário na ditadura

Siro Darlan*

Uma das mais graves consequências da ditadura militar foi a supressão do Estado Democrático de Direito, não apenas com o fechamento do Congresso, como também com a cassação de magistrados e uma indevida intervenção nos Tribunais. Em outubro de 1965, o general Costa e Silva, então ministro do Exército, disse que os militares somente voltariam aos quartéis quando sua missão tivesse sido concluída e se assim fosse reclamado pela sociedade, respondendo a uma manifestação do presidente do STF, que convidara os oficiais a deixar a política e a voltar aos quartéis.

No mesmo mês foi editado o AI-2, elevando de 11 para 16 o número de ministros do STF, o que possibilitou a nomeação de mais cinco. Ainda foi criada a Justiça Federal de primeira instância, com a nomeação de juízes, sem concurso, pelo presidente. No entanto, a Constituição de 1967, contrariando a vontade do mandatário, que insistia na nomeação dos juízes federais, sem concurso, para julgar causas de interesse da União, terminou com essa aberração.

A edição do AI-5 em 13 de dezembro, além de suspender as garantias ainda remanescentes e impedir os pronunciamentos judiciais garantidores dos direitos fundamentais, cassou três ministros, e outros dois se aposentaram em repúdio a essa intervenção no STF. Com essa violência, o número de ministros voltou a 11, e o governo já havia assegurado um Judiciário domado com graves repercussões e consequências nas bases, intimidando toda a magistratura. Um Judiciário domado e coagido é tudo que querem os tiranos. Outros golpes foram o AI-6, que dispôs sobre a possibilidade de civis serem julgados pelos tribunais militares, e a Emenda Constitucional de 1969, outorgada pelos ministros militares, que deu nova redação à Constituição.

Decretado o recesso do Congresso, em abril de 1977, editou-se a Emenda Constitucional da Reforma do Judiciário, vigente até hoje. Ou seja, apesar da nova ordem constitucional democrática desde a Constituição de 88, o Judiciário ainda não deu o passo necessário para sua democratização.Por essa reforma o STF dispôs no Regimento sobre a avocação de causas processadas perante juízos ou tribunais, que autoriza a intervenção do STF na decisão proferida pelo juiz natural da causa quando houvesse imediato perigo de lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças públicas, o que vigeu até não mais ser recepcionado pela nova ordem jurídica da Constituição de 88.

Contudo, para assegurar o cumprimento de suas reformas econômicas, o governo Collor editou a Lei 8.437/92, que autoriza os presidentes dos tribunais a suspender a eficácia de decisões até trânsito em julgado, o que tem sido usado largamente quando há parcerias políticas entre os chefes do Executivo e do Judiciário. Aqui no Rio essa prática foi utilizada para dar amplos poderes aos chefes do Executivo nas realizações de obras e iniciativas irregulares, cujas iniciativas do MP, acolhida pelos juízes naturais, foram cassadas.

No governo Geisel foi editado o ‘Pacote de Abril’, que editou a Lei Orgânica da Magistratura, o que veio através da edição da Lei Complementar 35/79, sancionada e promulgada no último dia de governo do general-presidente Geisel, cujos efeitos autoritários ainda perduram. Ou seja, passados 25 anos da Carta Cidadã, ainda vige disciplinando o Judiciário uma lei autoritária e antidemocrática, que impede a participação dos juízes de primeiro grau nas administrações e decisões importantes do país.

*Siro Darlan Oliveira, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é membro da Associação Juízes para a democracia.

Fonte: O Dia